23 de jul. de 2008

100 Anos da Imigração Japonesa: "ICHI - O ASSASSINO"

Na nova geração de diretores japoneses, Takashi Miike tem lugar de destaque. Apesar de seus filmes não chegarem às telas dos nossos cinemas, é cultuado por muitos. Não precisamos fazer muito esforço para encontrar seus fãs brasileiros espalhados pelos fóruns da World Wide Web elogiando suas obras, compartilhando as legendas de seus filmes, indicando as fontes no qual foram baseados. Assim por diante.

Os mais precipitados podem afirmar que o culto é produto de marketing desmedido. Não, não é. Takashi Miike trabalha com orçamentos baixos. Ao ponto de economizar grana durante as filmagens no intuito de sobrar um pouco para a computação gráfica. Tal fato está inserido na realidade econômica do cinema japonês, que visa o lucro dentro do mercado interno. Limitação orçamentária imposta a qualquer diretor.

É justo nos perguntarmos o porquê de Takashi Miike ser cultuado no Brasil. As respostas ficam a cargo de cada um. E elas nunca darão conta do fenômeno em sua totalidade. Podemos escolher algumas para formar uma unidade explicativa. Vocês escolhem as suas. Eu escolho as minhas. E estamos conversados. Mas continuem lendo o texto, por favor.

Conhecia o culto, mas não conhecia o cultuado. Tinha gravado em minha memória os adjetivos dado ao cinema de Takashi Miike. Todos impressionantes. Ambíguos. Tanto podiam me levar à atração quando à repulsão. Bizarro, chocante, sádico, perverso, brutal, extremo. Resumindo, adjetivos que remetiam ao par sexo e violência.

Para mim, nada de mais. Não sou neófito em exploitation e sexplotaition. Para muitos, com a percepção de que a arte é a representação do belo, tudo de mais. É a vida. Cada um com suas escolhas. Mesmo que limitem.

Como eu não tenho um para o cinema. Resolvi conferir Ichi - o Assassino, lançado em DVD duplo pela Europa Filmes. “E?”, vocês devem estar se perguntando. Sim, os adjetivos conferem, mesmo não dando conta da apreciação que tive do filme. Agora, me joguei aos leões. Explicar-me-ei.

A trama é simples. Pouco importa se nos créditos finais algumas perguntas ficam nos martelando. Anjo, chefe de uma das gangues Yakuza de Shinjuku, desaparece com três milhões de ienes. Para seu braço direito, Kakihara (Tadanobu Asano), ele foi seqüestrado. Enquanto ocorrem as buscas, o matador de aluguel Ichi (Nao Omori), orientado por Jijii (Shinya Tsukamoto), comete vários assassinatos, muito deles de membros da gangue de Anjo.

Deixei de lado os detalhes. E eles tornam Ichi - o Assassino um desafio cinematográfico aos nossos bons modos. Kakihara é sadomasoquista. Ichi teve a mente manipulada por Jijii na infância. Ambas as informações animam o desenvolvimento do filme.

Os chefes da Yakuza de Shinjuku acreditam que Anjo fugiu com o dinheiro. Kakihara desafia a ordem da organização e resolve seqüestrar o chefe de outra gangue, apontado por Jijii como suspeito. Seu método não é nada ortodoxo. Ele tortura Suzuki (Susumu Terajima) com crueldade inarrável. Por sua conduta, Kakihara é expulso da Yakuza. Devido ao código de fidelidade, a gangue também.

Por que ele desafia a hierarquia da organização se todos os outros chefes acreditam que Anjo simplesmente fugiu? Pensem. Ele é sadomasoquista. Bingo! O chefe era o único a conseguir dar-lhe o prazer masoquista.

Depois da expulsão, ele vai atrás de Jijii. Descobre que os assassinatos são obras de Ichi. Assassino tão cruel que deixa Kakihara excitado, pois acredita ter encontrado outro capaz de lhe proporcionar o encanto da dor.

Só que ele não sabe que Ichi é desequilibrado. Antes de matar, tem de ser estimulado mentalmente por Jijii. Mesmo assim, só depois de se sentir ameaçado que mata. Chorando. Usa um macacão preto com o número um em amarelo às costas. Daí provém seu nome: a tradução para “ichi” é “um”. E botas com lâmina no calcanhar. Com elas, ele corta as pessoas ao meio ou simplesmente corta o pescoço. Jorram litros e litros de sangue.

Paro por aqui. Mas, estejam certos, o grande duelo ocorrerá. Os elementos foram postos à mesa, por mim. Pelo diretor, não.

Vou pô-los do meu modo. Há rudimentos de psicologia. As motivações dos personagens são obscuras. Kakihara é sadomasoquista, tortura e gosta de ser torturado. Nada nos leva a crer que todos que gostam das mesmas práticas são como ele. Ichi é perturbado pelo fato de Jijii ter lhe dado um trauma pela hipnose.

Ichi - o Assassino não é imoral, é amoral. Estabelece um mundo deslocado da realidade, inverossímil. Pertencente ao próprio filme, ao ritmo dado por Takashi Miike. Com imagens aceleradas, desconexas. O espectador não respira, cenas violentas sob cenas violentas. Um amontoado de corpos deformados. Sangue e vísceras espalhados por todos os lados. E, acreditem, engraçado. Humor negro, propositadamente de mau gosto, burlesco.

É o cinema de Takashi Miike. Gostemos ou não. Ele fez suas escolhas e nós espectadores fazemos as nossas. Para alguns, elas não se encontram. Para outros, sim. E ele continuará a filmar em um ritmo alucinado, urgente. Com seu estilo, levando no bojo todos aqueles adjetivos que encontramos nos fóruns de seus fãs.

Um comentário:

Alessandro de Paula disse...

Conheço pouquíssimo de Miike, embora esteja me esforçando em adquirir uma parte de sua filmografia via Web. Na verdade, uns amigos gravam pra mim. Do que conheço, há por enquanto apenas um terrorzinho um tanto convencional, Ligação Perdida. Mas sou muito curioso em relação a Audition e Sukiyaki Western Django. Ichi já tenho aqui pra ver, também.

Tenho a impressão de que, no fim das contas, não vou gostar, vai causar um desgaste como Tarantino já causou em mim. Confesso-me como um daqueles que vê cinema como uma forma de arte, e pra mim é um dos caminhos pra encontrar o belo. De violência, basta o que vemos nas ruas ou em qualquer telejornal de tv aberta. No entanto, coisas assim sempre acabam me atraindo, antes de me causar repulsa. Talvez seja outra forma de masoquismo. Talvez não.

Ainda assim, Takashi Miike é, como disse noutro espaço, um ícone do cinema japonês contemporâneo e seria um crime não retratá-lo aqui, nesta homenagem ao cinema nipônico. Por sinal, muito bem retratado.

Agora é bola pra frente, pra ver o que mais acontece!

 
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