Uma das distinções mais importantes para a Narratologia (ramo da semiótica) é entre fábula e trama. Essa distinção, já apresentada por Aristóteles, e, mais detalhadamente, pelos Formalistas Russos, pode ser feita nos seguintes termos: a história que é representada (fábula); e o modo de representação, de construção, dessa história (trama). (BORDWELL, 1985. p. 49)
A fábula é
O construto imaginário que nós criamos, progressivamente e retroativamente... (...) Mais especificamente, a fábula incorpora a ação como uma cadeia de eventos cronológica, de causa e efeito, ocorrendo numa duração e num campo espacial estabelecidos.[2]
Já a trama (ou syuzhet) é
o arranjo propriamente dito e a apresentação da fábula no filme. (...) É um construto mais abstrato, o padrão da história reproduzido como uma recontagem minuciosa do filme.[3]
Um ponto muito importante dessa distinção é a questão de que a trama (e também a fábula) é independente do meio, podendo ser usada a mesma em um romance e em um filme, por exemplo.
Como comprova Bordwell:
Logicamente, o padrão da trama é independente do meio; os mesmos padrões da trama podem ser incorporados em um romance, em uma peça, ou em um filme.[4]
A trama se diferencia também do estilo. Enquanto a trama diz respeito às ações, às cenas, às mudanças na história (no enredo), o estilo diz respeito ao movimento das figuras, ao cenário, ao som, à iluminação, à fotografia, à edição. (BORDWELL, 1985. p. 50)
...em um filme narrativo esses dois sistemas coexistem. Eles podem coexistir porque trama e estilo tratam aspectos diferentes do processo fenomenal. A trama materializa o filme como um processo “dramático”; o estilo materializa o filme como um processo “técnico”.[5]
Ou seja, a trama, sendo responsável pelo modo de organização das ações, situa-se no plano textual, enquanto o estilo materializa a história e o discurso através dos recursos tecnicamente cinemáticos. O estilo, sendo dependente do meio, situa-se fora do texto, embora produza ressonâncias significativas sobre o mesmo. É necessário, no entanto, perceber que trama e estilo possuem uma dependência muito forte entre si, tornando praticamente impossível reconhecer apenas uma individualmente em determinado filme. Essa distinção entre trama e estilo se torna tênue quando colocada em prática, quando procurada em filmes.
Para Bordwell, a trama se relaciona com a fábula em três princípios básicos: lógica narrativa, tempo, e espaço.
A lógica narrativa diz respeito à relação entre os eventos (principalmente uma relação causal). A trama pode facilitar ou dificultar o arranjo lógico.
Quanto ao tempo, a trama pode organizar os eventos em qualquer seqüência (ordem), pode sugerir qualquer espaço de tempo (duração) para os eventos, e também assinalar um número de vezes em que determinado evento ocorre (freqüência). Da mesma forma que a lógica narrativa, o tempo pode ajudar ou “bloquear” o entendimento da fábula.
O espaço da fábula também é afetado pela trama. Quando o espaço é bem delimitado, a trama contribui para um entendimento maior da fábula. No caso oposto, a trama dificulta o reconhecimento do espaço em que ocorrem os eventos.
Através desse breve estudo sobre trama e fábula, podemos chegar, junto a Bordwell, a uma definição do que é narrativa (Para Bordwell, narração):
No filme de ficção, a narração é o processo através do qual a trama e o estilo interagem dando pistas e canalizando a construção da fábula pelo espectador. Portanto, é apenas quando a trama organiza as informações da fábula que o filme narra. A narração também inclui processos estilísticos. Seria possível, claro, tratar a narração somente como uma questão da relação trama/fábula...[6]
A narrativa é, realmente, um problema da relação entre trama e fábula.
Referências:
BORDWELL, David. Narration in the fiction film. Madison: University of Wisconsin Press, 1985.