26 de ago. de 2008

A geração pós-68 em "GAL A TODO VAPOR"?

O túnel realmente estava um breu só, no início dos anos 70. A luz fora apagada com violência pelos milicos com o AI-5, bloqueando o espaço público de ser a via da crítica e da criação. Tudo estava deserto, pelas ruas não passavam mais cem mil.

Talvez devido ao clima sufocante, em novembro de 1971, via-se a olho nu uma barriga feminina no palco do Teatro Teresa Raquel. Além da libido, exibi-la provocava o questionamento político. A contestação vinha com a mão nas cadeiras.

A mulher em questão era a Gal: de tão bela desafiava, extrovertida apesar de toda timidez, brasileira ao lado de guitarras barulhentas. Tudo era permitido, segredar um samba, entoar um folclore, esgoelar um rock. A música era fatal enquanto a viração não vinha.

Gal a Todo Vapor foi o acontecimento musical do verão carioca. Os cenógrafos Luciano Figueiredo e Oscar Ramos pintaram no chão do palco e em grandes faixas coloridas duas palavras extraídas de um poema do diretor do espetáculo, Waly Sailormoon, “fa-tal” e “violeto”. Inicialmente a musa desafiava a platéia apenas com um violão, depois de meia hora a guitarra de Lanny e de Pepeu, o baixo de Novelli, a bateria de Jorginho e a tumba de Baixinho a tornavam mais desafiadora. “Não se assuste pessoa / Se eu lhe disser que a vida é boa”.

A Philips imprensou as músicas em dois elepês para ninguém duvidar que a baiana estava em estado de graça. Ao assentar sobre os sulcos, a poeira marcou a desilusão da geração pós-68. “Tudo é igual quando eu canto e sou mudo”.

Com o espaço público bloqueado à revolta, os indivíduos voltaram-se contra o que estava mais próximo de si mesmos. Por terem acreditado na revolução, deram um caráter político à contestação dos costumes. “Eu sou amor da cabeça aos pés / E só tô beijando o rosto de quem dá valor / Pra quem vale mais um gosto do que cem mil réis”.

Apesar de a repercussão da composição Mal Secreto não ter sido grande, podemos encará-la como um símbolo. O “rapaz esforçado” quando estava com alguém ficava parado, calado e quieto, massacrava o medo e mascarava a dor, mas ao ficar sozinho não ficava parado, não ficava calado, não ficava quieto e acabava por jogar todos os seus anseios na poesia.

Quase todo o repertório do Gal a todo vapor girava em torno de uma geração desiludida com a transformação social. Até a letra de Antonico, de Ismael Silva, compunha o mesmo retrato. Realmente o fruto do fundo do peito estava apodrecendo a cada dentada. Mas aqueles jovens queriam ver de novo a luz do sol.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa foto da Gal é linda...

 
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