13 de ago. de 2008

Glauber Rocha: "A IDADE DA TERRA"


A permanência sobre o tempo do filme Idade da Terra, de Glauber Rocha

Este filme foi uma das, se não a maldição do cineasta barroco. Era pra ter sido feito no México, quando conseguiu junto ao governo, então muito próximo ao comunismo, um patrocínio para executar A Idade da Terra, ainda no início da década de 70. Mas quando os burocratas da cultura tocaram no roteiro – um aglomerado lúcido da loucura artística de Glauber exilado de uma ditadura latino-americana no Brasil, logo deram adeus à idéia de bancar o filme. Glauber então, com a ajuda de Paul Le Duc, sai às ruas, aos jornais, e grita contra a censura de esquerda. E não foi sua primeira experiência com esse lado conservador da esquerda latino-americana, vide o Terra em Transe, filme tropicalista que denuncia uma auto-crítica clara da “juventude que quer tomar o poder”, como gritou Caetano Veloso no festival de música brasileira. São coisas que se vão com o tempo.

No entanto, o filme épico Idade da Terra é relançado com uma cópia extremamente límpida, em DVD, para que possamos hoje, sentados em nossas poltronas e com os olhos grudados em nosso home theater, assistir à decadência dos ideais esquerdistas-atrasados e o re-encantamento mítico dos arquétipos pseudo-modernos do Brasil. Algo que certamente Glauber criticaria, pela inocência individualista, e, porque não, anti-política do não-cinema da exibição privada, não-pública. Idade da Terra volta como uma experimentação do maior diretor de cinema que já nasceu no Brasil, e como um adeus desse baiano que parecia louco em seus últimos anos de vida. Porém, Glauber não era, nunca foi, e não estava, na sua breve década de 80, louco. Ele era, sim, um nome da cultura do país à altura de um Oswald de Andrade, e se encontrava completamente marginalizado.

Muito pela adesão irônica feita por carta à ditadura de Geisel e do general Golbery, e muito pela irreversibilidade comunicativa, pela radicalização paradoxal de sua montagem, pela experimentação audiovisual e de novos símbolos e significados propostos à sociedade brasileira - e latino-americana. Ali, no seu último filme, se vê cristos que são crucificados lentamente pelo imperialismo do sistema neoliberal norte-americano (ou seria suíço, alemão, em suma, um empresário internacional multinacional), que fala ao negro que quer comer seu cu. Sabemos, hoje, como essa brincadeira tem graça pela força da crítica que ela possui, quando o personagem Hans se confunde com aquele mito antes western de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro – único filme ficcional brasileiro a receber o prêmio de Cannes do cinema moderno feito aqui, e até hoje como um paradigma do cinema brasileiro, ainda que tão pouco exibido por aqui (o filme teve dois nomes: aqui se chamou O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, lá fora foi chamado de Antônio das Mortes).

Disse Jean Claude Bernardet que Antônio era um representante da então atual classe média que mata, simbolicamente, aqueles revolucionários ou mais afeitos à ruptura do presente radical – tanto do lado místico, num genocídio aos beatos e ao santo Sebastião, quanto do lado alucinado do cangaço. E ainda mata, também, o povo que sai da cordialidade comum do país. Antônio das Mortes seria o maior anti-herói, o soldado ditador, o homem das feitorias, que segura toda a mobilização popular. Em sua segunda aparição, no filme com seu nome e aqui em questão, Antônio é tocado por uma santa popular.

O mito negro, do candomblé, dá a luz a Antônio das Mortes, que ironicamente se vê perdido num mundo dominado por grandes corporações como a Esso, em beira de estrada. Só assim para entendermos Hans, em sua máxima boba de “vou comer seu cu” – é, assim, uma fodida simbólica, e bastante aceita nas décadas posteriores ao filme, já que a cultura negra da religião afro por aqui foi apenas, cada vez mais, deixada de lado. Ainda sim sentimos um fôlego de resistência cultural, principalmente com a emergência de discursos contra-hegemônicos em periódicos independentes, em fanzines, em movimentos como o Manguebeat, no cinema de Recife, na popularização de Tom Zé, em coletivos na internet contra o senso comum de Hans (ou Antônio das Mortes). Esse retorno talvez seja o primeiro do filme renegado por todos.

A Idade da Terra, vejo eu, ainda precisa de mais tempo pra ser digerido por completo. O fato de Atlantic City, de Louis Malle, ter conseguido êxito em Veneza, e de quase obtermos, na história do festival, e do cinema, uma briga física entre Glauber e Malle, deixa-nos na intriga e na briga histórica entre a maneira norte-americana de se discutir os problemas do mundo, e a maneira barroca brasileira de se ver esse mesmo horizonte do futuro. Glauber sai gritando contra Malle taxando-o de imperialista. Este último, apenas diz na cara de Glauber que "nunca se aliaria a uma ditadura de seu país". Aí se põe o problema, a intriga, entre Idade da Terra e Atlantic City, pois, se não fosse pela abertura política da ditadura de Geisel, Glauber não faria seu épico.

Talvez por isso, também, a radicalização da linguagem. E talvez por essas contradições, Glauber tenha sido não só um dos maiores artistas do Brasil, mas do mundo. Sua luta era humana, contra a mesquinharia política, e provincianismo da cultura pós-colonial. Ele conseguia, com suas “alucinações”, levar nossa imagem a qualquer lugar do mundo, apenas com sua ideologia forte de militante das causas terceiromundistas. Vejamos com olhos que transvaloram os rígidos paradigmas contemporâneos da imagem – o filme de Glauber se alia até mesmo ao pensamento de Gianni Vattimo, e vai além, postulando uma pós-modernidade militante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tem uma história contada por Avellar, nos extras de "Barravento", que sintetiza o engajamento cine-político do Glauber.

Ele narra que foi num festival e Straub reclamou da organização, que os dois melhores filmes do festival, o dele e o brasileiro, passavam nos piores horários.

Avellar foi até diretor e perguntou o que ele achava do filme brasileiro. Straub respondeu que não viu, mas que em qualquer festival que ele estiver falará que o filme brasileiro é o melhor.

Ao se justificar, contou um ocorrido entre ele e Glauber. Straub disse que não conseguia terminar um filme por falta de grana e usou o festival no qual participava para protestar. Do nada, Glauber chegou até ele e falou: "Aqui tá o dinheiro que acabei de ganhar como prêmio por um filme meu". Glauber não pediu nada, não exigiu nada.

Straub disse a Avellar que depois de tal solidariedade sempre defenderia o cinema brasileiro, estivesse onde estivesse.

Acho que Glauber é isso mesmo, um despojado, que queria o fortalecimento do cinema off-Hollywood, do discurso cinematográfico hegemônico, em outras palavras, do discurso político hegemônico.

Anônimo disse...

Sou um apaixonado por tudo que o Glauber fez. Tenho todos os seus filmes, exceto a idade da terra, que ainda não vi. Fiz uma viagem a Passei por Portugal para conhecer Sintra e ver a casa onde ele morou e de onde veio pra morrer no Brasil.
Glauber para nos, brasileiros é motivo de grande orgulho,mas agora com a morte de sua mãe todo seu acervo tende a desaparecer. POR ONDE ANDA O MINISTÉRIO DA CULTURA?? ACORDA BRASSILLL.

 
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