24 de nov. de 2008

Em Cartaz: "VICKY CRISTINA BARCELONA"

Vicky Cristina Barcelona nos apresenta uma espécie de modo de produção intimista. As amigas Vicky e Cristina, apresentadas pelo narrador off onipresente, só parecem ser opostas. Confrontadas pelo narrador, Vicky é apresentada como séria e sistemática e Cristina como uma pessoa aventureira e inquieta. Ambas partem para um verão em Barcelona, uma cidade que inspira Cristina para a surpresa, para o novo e o inesperado. Em Vicky, a cidade sustenta as suas escolhas pelo estudo da identidade catalã, tornando-a mais segura daquilo que acredita e do conhecimento que almeja.

O título do filme sugere, e o próprio diretor sustentou a idéia, de uma terceira personagem principal, que seria a cidade de Barcelona. Entretanto, a cidade como personagem do filme, como criação, existe apenas como apropriação privada dos desejos de Vicky, de Cristina e das demais personagens que orbitam ao redor. Todas são marcadas pelo desejo exasperante, pela falta desmedida, a única diferença é que em Vicky esse desejo é represado, enquanto em Cristina ele é deliberadamente buscado e assumido.

O profundo mergulho do filme no campo dos desejos não tem fim. Soma-se as duas mulheres, o artista plástico interpretado por Javier Barden e a artista plástica interpretada por Penélope Cruz, aumentando os jogos pela satisfação pessoal, pela expressão dos sentidos, radicalizando o egoísmo, valor elementar de um mundo intimista. Desejo e morte, desde Freud, estão bastante próximos, assim como no filme, que parece uma mistura bastante atualizada de psicanálise e capitalismo.

A relação desse conjunto de personagens com a cidade de Barcelona ou com a arte é absolutamente e claustrofobicamente egoísta. O mundo está em cada personagem e, quem sabe por isso, Barcelona também possa ser personagem, justamente por se sugerir que a cidade e a arte, únicos refúgios de diálogo fora do ego, só são possíveis pela metabolização do consumo, do desejo e da apropriação privada. Como coisa pública, a arte e a cidade são virtualidades indignas de representação e se encontram fora do filme. Não é por acaso que a cidade vista pelo filme é turismo, enquanto a arte vista pelo filme é o experimentalismo formal do gênio, atributo de raridade que lhe agrega valor no mercado.

O sucesso do filme do sagrado diretor Woody Allen é nítido. Ele mastiga a psicanálise como um produto cultural, suavizado-a pelo riso. No seu filme, tudo vai mal dentro dos corpos, mas tudo bem porque eles têm vidas confortáveis, podem ir aos restaurantes atrás de surpresas, às cidades atrás de turismo, às artes atrás de beleza. O capitalismo para eles é um dado, o seu eu é a grande questão que os move, de dólar em dólar, de filme em filme. O dinheiro e a imaginação do ego se alimentam pela lei destruidora do desejo.

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