13 de fev. de 2009

"SHORTBUS" de John Cameron Mitchell

Segundo David Harvey, por “condição pós-moderna” pode-se compreender a relação entre tempo-espaço abordando temas como arte, urbanismo, cultura e cinema. E, justamente por esse último viés, ou melhor, por uma compilação desses elementos, o cineasta John Cameron Mitchell apresenta uma obra instigante sobre a prática efetiva dessa tal condição. Embora não seja muito apreciador do termo “pós-moderno”, reconheço que tal condição é vivenciada por sociedades urbanas, acerca de suas concepções e relações humanas, sejam elas nos campos público e privado, e essas vivências são levadas a um caráter de libertação de pensamento e ação efetiva, essencialmente na prática sexual abordada por Mitchell.

Shortbus (2006) é uma ode ao Cinema Extremo que eclodiu na década de 1970, em que a libertação sexual e o livre arbítrio autoral ganharam destaques nas telas com obras até então transgressoras para a sociedade. O filme é repleto de cenas marcantes e provocadoras no que diz respeito à sexualidade. Quebrar paradigmas não é a intenção do cineasta. Pelo contrário, expor o espírito e principalmente a prática de libertinagem dos personagens principais da trama de forma natural (por vezes cômica), por intermédio de muito sexo e diálogos inteligentes sobre suas condições sexuais.

Uma Nova Iorque pós 11 de setembro como animação remete ao imaginário do espectador uma cidade coadjuvante no pensamento de seus habitantes por um olhar voyerista. Esse recurso é corretamente trabalhado como conexão entre os distintos personagens. E essa conexão é sacramentada em uma boate GLS chamada Shortbus, cujo significado literal da palavra, em inglês, pouco importa aos seus frequentadores, e pelo espectador. O que importa dentro de Shortbus (o lugar) é a liberdade das práticas e reflexões acerca do sexo, que é tratado com extrema naturalidade, ou algo essencial na vida pós-moderna (segundo o filme).

O mosaico de cenas instigantes se dá do início ao fim do filme, quando surgem os personagens e suas condições na estória. Um jovem filma-se praticando auto-felação enquanto é vigiado e fotografado por um vizinho voyeur. Ao mesmo tempo, uma terapeuta sexual transa de forma incessante com seu companheiro, assim como um jovem praticante de sadomasoquismo questiona sua condição e o pensamento sobre sexo com sua algoz. Sequências de sexo, afeto e carência de tal afeto permeiam o filme. E tudo com muita naturalidade, mesmo que de forma explícita, sem se preocupar com consequências e clichês, Mitchell, que também assina o roteiro, mescla a realidade das práticas com o imaginário da cidade criada paralelamente aos personagens.

A ousadia das cenas é um dos pontos altos do filme. Especialmente duas destas cenas se destacam e, por que não dizer?, chocam o espectador mais desavisado: o ménage à trois contorcionista proporcionado pelo casal gay “James” junto com seu novo admirador, ao som do hino estadunidense (aqui se nota o sentimento pós-11-de-setembro) sendo cantado em uma situação no mínimo inusitada. Outra passagem marcante é a fuga da terapeuta sexual de sua consulta perante um casal em crise, para o seu tão almejado orgasmo (a personagem é pré-orgásmica), onde ela vivencia a situação num sonho que se passa na Nova Iorque imaginária proporcionada pelo diretor. O sonho termina com um final muito utilizado ao longo da cinematografia mundial: o mar.

Em Shortbus, John Cameron Mitchell, além de explorar a liberdade sexual explícita da famigerada pós-modernidade, remete a referências do subversivo Cinema Extremo. As influências são notáveis no filme: desde a ousadia explícita e perversão, como em Saló (1976), de Pasolini; até a rasgada homenagem a Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima, na ousada cena do ovo em forma de vibrador. A sensação ao assistir o filme de Mitchell é semelhante à leitura dos livros eróticos do escritor maldito Henry Miller ao som de Yo La Tengo. Contudo, vale ressalvar aos mais desavisados e puritanos que forem assistir ao filme: Shortbus é “foda”. Literalmente.

5 comentários:

rinan disse...

Este filme é realmente fantástico. Num primeiro momento causa uma grande estranheza, mas conforme ele vai correndo você vê a sensibilidade daquelas cenas "fortes". No fim, acabei achando tudo muito delicado e muito emocionante. Várias cenas sao muito bem construídas, ao mesmo tempo com um grande cuidado e em outros com focos bem alternativos... genial!

Anônimo disse...

Tinha que ser o Hudson tarado pra escrever sobre este filme...
tsc, tsc...

Mas me interessei, acho que vou ver!

Ball disse...

O "Shortbus" no filme NÃO é uma boate GLS.
De resto, concordo basicamente com tudo que disse.
Esse filme é maravilhoso.

Cristiano Contreiras disse...

OTIMO CONTEXTO DE BLOG, ME DEFINE! TE SIGO, ABS

marcelo grejio cajui disse...

Não conhecia este filme. vou procurar.
*
mais uma vez: apresentação do seu viés e opinião sobre a obra. bacana. a fórmula é muito boa.

 
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