17 de dez. de 2005

Sensualmente "Eros"



A partir de um projeto pessoal de Antonioni e seu coloborador habitual, o roteirista Tonino Guerra, surge o atraente filme Eros. Mais atraente pelo fato da colaboraçao de mais dois grandes diretores da atualidade que aceitaram trabalhar com Antonioni, Soderbergh e Kar-Wai. Tendo como tema principal o erotismo, os três expõem suas visões e estilos que os caracterizaram, desde o fator técnico até seus roteiros.

O filme como um todo nao é nenhuma obra-maestra, talvez pelo fato de terem que trabalhar com menos tempo que o normal, os três nao chegam perto de seus potenciais cinematográficos (o mais próximo, Kar-Wai), mesmo assim deixam claro seus costumeiros métodos, realizando três distintos episódios.

Casal-Infidelidade-Encontro. Esse é o resumo do primeiro episódio, dirigido por Antonioni e titulado A Perigosa Linha das Coisas. Antonioni mostra, mesmo muito velho e doente, que ainda é o cineasta-da-incomunicabilidade, dos silêncios e tempos mortos, do sublime post-en-scene. O episódio inicia com um longo plano, uma mulher seminua, seu marido observa, conversam mas não dizem nada, ele sai, ela fica para se arrumar, caminha, entra no carro do seu marido e partem em silêncio. Em apenas cinco minutos, Antonioni já revela todo o resto da história, seu tema habitual: um casal que tem problemas para se comunicar e que gera suas consequências, no caso, a infidelidade.

Como sempre, Antonioni "descreve" mais que "narra", nos "deixa ver" mais que "mostra" e conduz até o final da sua película dessa forma, deixando-nos acompanhar os três personagens de modo que entramos no clima sutilmente erótico que ele propõe. Acompanhado de uma trilha sugestiva e dos desnudos femininos, evitando incidir o banal e gratuito, fazendo isso de forma natural e pouco habitual no cinema erótico, que utiliza o nu como objeto de consumo, dando-nos uma sensação de limpeza sem paradoxo com esse tipo de filmes. Como vemos na sequência final, onde a primeira mulher em seu momento de liberdade, leveza e alegria, após se sentir livre com a ausência e o "pecado" do seu marido, dança nua na praia até encontrar com a outra personagem igualmente nua em um dos mais belos simbolismos sexual na história do cinema.

O segundo - e pior episódio - é do irregular mas eterno prometedor e original Soderbergh, diretor de filmes como Solaris, uma arriscadíssima adaptação do filme original de Tarkovsky, e Full Frontal, um projeto mais pessoal, mas igualmente difícil onde o próprio dá a impressão que se perdeu ao longo de sua criação, tanto técnica como mental. Enfim, um diretor que busca as dificuldades para tentar superá-las, mas que quase sempre não consegue. O mesmo passa com Equilíbrio, o seu episódio, que dos três pretende ser o mais complexo e sutil. Procura relacionar o erotismo sugerido, de forma invisível, mas presente em sua história. História essa que conta o caso de um publicitário estressado com seus sonhos, no qual uma mulher desconhecida o envolve eroticamente, procurando assim um psicólogo, que tenta resolver (infantilmente) o seu caso.

Com a utilização de vários recursos técnicos, como o uso do preto-e-branco nas sequências do psicólogo e o uso de cor e desfoques nas cenas dos sonhos, Soderbergh demonstra como por vezes tem certa dificuldade de ser mais profundo e artístico (no sentido cinema-arte) em filmes com maiores exigências narrativa. De forma que esses recursos parecem apenas meios para desviar a atenção da superficialidade do relato contado por Soderbergh. No elenco, um Robert Downey Jr. desaproveitado em um personagem que sugere o erotismo psicológico, interno. Sentindo grande atração por uma mulher, a mulher dos seus sonhos, que nada mais é que sua esposa. E um Alan Arkin, ridicularizado como o psicólogo, viajando, assim como Soderbergh, em seus aviãozinhos de papel.

E por fim, o diretor da vez, Wong Kar-Wai. O mais preparado para falar sobre o tema central, demonstra sua facilidade em envolver, atrair, encantar, climatizar suas cenas de uma forma sempre elegante e delicada, levemente Boucheriana. Sempre exercitando seu maneirismo exacerbado, dotado de um particular toque de romanticismo.

A Mão, mostra um jovem alfaiate que sente um amor impossível por uma bela cortesã. Ele costura suas roupas e, com o tempo, acompanha a decadência da jovem, contrastando com o seu sucesso profissional. O episódio atende os pequenos detalhes argumentais que invocam nossas sensações, recordações e melancolias, atraindo-nos para aquela atmosfera e deixando-nos levar ao intimismo sempre construído por esse grande diretor, contrariando um pouco sua forma sutil, mostrando mais que sugerindo. Com cenas extremamente sensuais e eróticas, utiliza uma forma diferente de Antonioni, mas com igual objetivo e sentido, Kar-Wai nos oferece uma belíssima experiência de um gozo sinestésico sobre uma paixão amorosa levada até as últimas consequências.

Sem dúvida, Eros, como resultado final, é um belo filme. Mesmo com diretores de características diferentes, tratando de um tema muito sugestivo e diversificado, ficou em uma linha mais leve, optando mais pela sensualidade que o erotismo nos três episódios, o que nos faz sugerir mais filmes nesse estilo, como acontecia em épocas passadas.

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