O filme Cinema, aspirinas e urubus do diretor Marcelo Gomes é uma pequena preciosidade da filmografia nacional. À moda dos iranianos este é um filme que, como alguns dizem, “nada acontece”. A história é muito simples. Um caminhão da empresa “Aspirina”, dirigido por um alemão de nome Johan, cruza o sertão nordestino vendendo os modernos comprimidos para os primitivos habitantes da região. Logo no início da estória, Johan contrata um desempregado e desiludido nordestino (Ranulpho) para ajudá-lo em sua tarefa. Os dois, então, começam a viagem por entre os dispersos povoados no meio do semi-árido brasileiro. Para vender as aspirinas em cada povoado eles montam um projetor de cinema e exibem comerciais das aspirinas. A população local que nunca tinha visto imagens em movimento fica fascinada com os pequenos filmes publicitários e ao fim de cada sessão gastam suas parcas economias comprando o milagroso remédio. Como pano de fundo da trajetória desses dois personagens está a Segunda Guerra Mundial que aparece em formas de notícias ouvidas no rádio do caminhão e no drama pessoal de Johan, imerso em conflitos existenciais e, distante de seu país que se afunda no nazismo. A história toda se passa nessa viagem que ao longo do filme vai revelando pequenos detalhes que nos convida a fazer grandes reflexões.
O caminhão adentrando as regiões mais inóspitas e desérticas do nordeste é a grande contradição a ser explorada pelo cineasta. Johan é o sujeito da modernidade européia no momento de seu auge e, ao mesmo tempo, da radicalização de sua barbárie. Com ele vai a máquina (o caminhão que tanto fascina o companheiro nordestino de viagem), vai o cinema, o rádio e a tecnologia farmacêutica (aspirinas) que igualmente fascinam os moradores por onde passam. Máquinas, imagens e comprimidos, emblemas de uma civilização. A contradição com a qual o filme trabalha, é justamente, o choque dessa civilização com o atraso de regiões que ainda vivem na pré-modernidade. Ali não há máquinas, nem imagens em movimento, nem comprimidos para resfriado ou dor de cabeça. Há pessoas, vidas errantes, sobrevivendo em meio às dificuldades da seca.
O personagem Johan é um complexo de contradições. Representante da modernidade no momento de seus grandes dilemas e incertezas ele se encontra perdido no meio do sertão nordestino sem saber para onde ir. É apenas um artífice da grande indústria cumprindo a missão de vender produtos. Ao longo do filme, no entanto, percebemos que ele é uma espécie de fugitivo da modernidade. Fugindo da loucura que transformou a Europa no período do entre guerras ele procurou refugiar-se no Brasil para tentar encontrar novas formas de sociabilidade. Com o agravamento da situação européia decide ficar e prefere viajar pelo sertão vendendo aspirinas a voltar para lutar na Guerra.
A personagem do sertanejo que lhe acompanha não é menos rica em dilemas. Desiludido e revoltado com a situação de miséria da região onde passou toda sua vida ele procura desesperadamente sair daquele lugar. Um lugar que para ele é longe de tudo nem a bomba ou a guerra podem chegar naquele deserto. Deseja conhecer a civilização. O tempo todo sonha em chegar ao Rio de Janeiro e conseguir um emprego na indústria. Deseja aprender a dirigir e se mostra fascinado pelas máquinas. O caminhão parece ser a sua felicidade.
Temos então o cruzamento de duas histórias distintas. De um lado temos um personagem desiludido e fugindo da modernidade e do outro um sujeito pré-moderno fascinado com as promessas da “civilização” e sedento por conseguir se inserir nela. Caminhando em sentidos opostos eles se encontram nesse esquecido lugar, a estrada, por onde viajam. O destino de cada uma será uma incógnita.
Um acontecimento no meio da viagem vai agravar os medos de Johan. Quando é picado por uma cobra e passa dois dias delirando em estado de inconsciência, ele resolve mudar seu comportamento e diz a Ranulpho que vai aproveitar a vida. Gastar todo o dinheiro e o tempo que tem para aproveitar a vida antes de morrer. Ele percebe a absurda condição de sua existência. Morrer na estúpida guerra na Europa ou, por uma estúpida picada de cobra, parece não ter diferença. Decide vender todo o estoque de Aspirina para um “coronel” local e passa a noite em um bordel. Seu desejo agora é chegar até a cidade grande mais próxima e, junto com o amigo, se divertir. Quer experimentar em pequenas coisas a felicidade que ambos, de formas diversas, procuram.
No outro dia, porém, começa a perceber que a situação da Guerra na Europa vai mudar sua vida e não será fácil se divertir. É o momento em que Getúlio Vargas declara guerra ao eixo. O rádio não pára de propagar o ódio contra o povo alemão. No país os imigrantes alemães estão sendo deportados ou presos em campos de concentração no interior de São Paulo. A nacionalidade faz dele um inimigo. Joga fora todos os documentos, apaga com tintas o emblema da Aspirina no caminhão e sabe que não tem muitas escolhas. Naquela noite, em diálogo com o amigo ele, bêbado, explicita o absurdo da guerra, da bomba e a falta de sentido em tudo o que lhe cerca.
O personagem Johan é um complexo de contradições. Representante da modernidade no momento de seus grandes dilemas e incertezas ele se encontra perdido no meio do sertão nordestino sem saber para onde ir. É apenas um artífice da grande indústria cumprindo a missão de vender produtos. Ao longo do filme, no entanto, percebemos que ele é uma espécie de fugitivo da modernidade. Fugindo da loucura que transformou a Europa no período do entre guerras ele procurou refugiar-se no Brasil para tentar encontrar novas formas de sociabilidade. Com o agravamento da situação européia decide ficar e prefere viajar pelo sertão vendendo aspirinas a voltar para lutar na Guerra.
A personagem do sertanejo que lhe acompanha não é menos rica em dilemas. Desiludido e revoltado com a situação de miséria da região onde passou toda sua vida ele procura desesperadamente sair daquele lugar. Um lugar que para ele é longe de tudo nem a bomba ou a guerra podem chegar naquele deserto. Deseja conhecer a civilização. O tempo todo sonha em chegar ao Rio de Janeiro e conseguir um emprego na indústria. Deseja aprender a dirigir e se mostra fascinado pelas máquinas. O caminhão parece ser a sua felicidade.
Temos então o cruzamento de duas histórias distintas. De um lado temos um personagem desiludido e fugindo da modernidade e do outro um sujeito pré-moderno fascinado com as promessas da “civilização” e sedento por conseguir se inserir nela. Caminhando em sentidos opostos eles se encontram nesse esquecido lugar, a estrada, por onde viajam. O destino de cada uma será uma incógnita.
Um acontecimento no meio da viagem vai agravar os medos de Johan. Quando é picado por uma cobra e passa dois dias delirando em estado de inconsciência, ele resolve mudar seu comportamento e diz a Ranulpho que vai aproveitar a vida. Gastar todo o dinheiro e o tempo que tem para aproveitar a vida antes de morrer. Ele percebe a absurda condição de sua existência. Morrer na estúpida guerra na Europa ou, por uma estúpida picada de cobra, parece não ter diferença. Decide vender todo o estoque de Aspirina para um “coronel” local e passa a noite em um bordel. Seu desejo agora é chegar até a cidade grande mais próxima e, junto com o amigo, se divertir. Quer experimentar em pequenas coisas a felicidade que ambos, de formas diversas, procuram.
No outro dia, porém, começa a perceber que a situação da Guerra na Europa vai mudar sua vida e não será fácil se divertir. É o momento em que Getúlio Vargas declara guerra ao eixo. O rádio não pára de propagar o ódio contra o povo alemão. No país os imigrantes alemães estão sendo deportados ou presos em campos de concentração no interior de São Paulo. A nacionalidade faz dele um inimigo. Joga fora todos os documentos, apaga com tintas o emblema da Aspirina no caminhão e sabe que não tem muitas escolhas. Naquela noite, em diálogo com o amigo ele, bêbado, explicita o absurdo da guerra, da bomba e a falta de sentido em tudo o que lhe cerca.
Sem opções ele resolve embarcar no trem que leva os nordestinos à Amazônia para trabalhar na indústria da extração do látex. Durante o filme essa opção apareceu como a única possibilidade dos nordestinos saírem de sua região. Essa possibilidade é tratada como uma forma de viagem sem volta e, Ranulpho, sabia muito bem que ir para a Amazônia é escolher o caminho de uma vida mais sofrida e cruel.
Enquanto Johan e Ranulpho esperam o trem, escondidos no meio da multidão de nordestinos, aparecem, pela primeira vez no filme, urubus filmados aleatoriamente a espera da carniça. Johan escolhe continuar fugindo da modernidade e parece saber muito bem o destino que lhe espera. Sem esperança alguma em conseguir a felicidade que buscava ele prefere embarcar no trem da morte a voltar para a civilização que agora lhe persegue. Antes de embarcar ele, privado da felicidade, dá, como último gesto, as chaves do caminhão para Ranulpho que na última cena aparece dirigindo em estado de regozijo. Antes dessa imagem, Johan, é mostrado em meio à carga viva daqueles dejetos humanos embarcando para tentar a sorte na Amazônia. Não é difícil perceber que a modernidade com suas máquinas, cinemas, guerras e aspirinas é apenas um trem caminhando para o extermínio, enquanto os urubus esperam com fome[1].
Danilo Camargo
e-mail: danilofc80@yahoo.com.br
[1] Poderíamos explorar de inúmeras formas o trinômio cinema, aspirinas e urubus. Essa construção permite muitos significados. Se, limitamos a interpretação, é pelo recorte que escolhemos trabalhar na análise do filme.
2 comentários:
Olá...conheci seu blog pois um camarada chamado Roberto Vagner indicou-o numa lista de discussão....gostei dele e adicionei ao meu.
Feliz Natal e muitas felicidades!
Poxa...estava terminando de ver o blog e notei que é a 6 mãos...legal pra caralho...ainda contaram com colaborações fodas como do Dan.
prosperidade!
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