O filme amarra os depoimentos e as imagens de arquivo por meio da representação de um espetáculo, com os poemas célebres declamados por Camila Morgado e Ricardo Blat e as canções de domínio público interpretadas por Mariana Moraes, Mônica Salmaso, Yamandu Costa, Zeca Pagodinho, entre outros.
Não são eles que seduzem, mas o próprio Vinicius de Moraes. A imagem dele ao lado de Tom Jobim atropelando os versos de Pela Luz dos Olhos Teus devido às doses de uísque é hilária. Também é divertida a dele cantando Canto de Ossanha acompanhado pelo violão de Baden Powell e o coro de uma dezena de jovens.
Os depoimentos dos amigos vêm a confirmá-lo como o senso-comum do imaginário dos ouvintes da música popular brasileira, do homem capaz de fazer qualquer coisa por uma mulher, do amigo que liga no meio da noite para perguntar como está. Somente os das filhas acabam por dimensioná-lo de outro modo, do pai que ocultava a nova mulher grávida, acrescentando um tom discretamente amargo ao filme, de modo que não faça o espectador inquietar-se no sofá.
Tudo bem pensado, como a cena do puteiro acompanhada pela leitura dos versos de Balada do Mangue e a versão em rap de Blues para Emmett. A primeira esvai por estar deslocada dentro do filme e a segunda é exemplar de como as palavras enfraquecem numa encenação.
O que fica de Vinicius é seu humor, o involuntário: a gesticulação dos atores ao declamarem os poemas e as raras aparições alcoolizadas do poetinha. Seu valor maior é o de deixar o público confiante de que pode ser feliz ao conquistar uma mulher depois de uma garrafa de uísque; seu valor menor é o de mostrar que os tempos eram outros. “Não seria possível alguém como Vinicius viver nos dias de hoje”, diz Chico Buarque. Enfim, uma bela auto-ajuda cinematográfica para conformistas tendo como personagem um poeta, em vez de um executivo de grande sucesso.
4 comentários:
Certeiro, Di Carlo!
Ana S.
Também estou de acordo. Aliás, esse filme segue muito a linha do também bastante elogiado: "Brasileirinho" do irmão do Aki Kaurismaki, o Mika. O que faz perder também um pouco de sua credibilidade.
Mas eu diria que é um documentário válido. Vale, porque Vinícius sempre vele a pena.
O texto está ótimo, mas sabe o que é pior? Acho que o Chico está certo...
Roberto,
Sim, vale a pena. No caso do filme de Miguel Faria Jr., vale a pena pelas imagens de arquivo.
Alessandro,
Concordar ou não com a frase do Chico Buarque depende do modo que a lemos.
No filme, ela acaba passando um conformismo, um saudosismo de ver o passado como um defunto, estático em um retrato em branco e preto, que acaba por transformar Vinicius em apenas um homem de seu tempo e não uma pessoa que fez escolhas que acabaram por tornar ele quem é, para o bem e para o mal.
Sim, Vinicius é um homem de seu tempo, só que foi além de seu tempo.
No atual estado de coisas da cultura, é difícil imaginar Vinícius mesmo. Mas, penso eu, sim, existiria, só não seria reconhecido pelo grande público.
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