26 de jul. de 2008

"OS DESAJUSTADOS" de John Huston

Alguns filmes nos enganam do começo ao fim, do momento em que vemos o cartaz até o instante da leitura dos créditos finais. Erramos em tudo, se suspeitávamos do elenco, notamos que, por mais que nos esforçássemos, não conseguiríamos imaginar outros atores interpretando aqueles personagens; se desconfiávamos que o enredo tinha tudo para ser trivial, percebemos que somente nele os acontecimentos se desenrolariam com naturalidade. Um deles, Os Desajustados.

Neste, temos um Clark Gable decrépito, com um sorriso que vagamente lembra o de um galã, e uma Marilyn Monroe entristecida, com um corpo que não entra mais em vestidos justos. Um no papel de um caubói tentando bancar o durão e outro no de uma ex-dançarina de boate muito próxima de pedir socorro, personagens inimagináveis em atores diferentes. Para ambos o último filme, ele morreria em 1960, mesmo ano das filmagens de Os Desajustados, ela em 1962.

Os dois como protagonistas de um enredo que resumido em algumas palavras nada teria de muito significativo. Num bar, a bela Roslyn e a velha Isabelle (Thelma Ritter) são apresentadas pelo piloto Guido (Eli Wallach) ao caubói Gay. Elas são convidadas a passar um dia no rancho com eles, bebem e dançam. Roslyn passa a viver com Gay. Indo para um rodeio, Guido e Gay reconhecem Perce (Montgomery Cliff) e, além de apresentá-lo a Isabelle e Roslyn, convida-o a capturar mustangs. Os “três adoráveis mortos” mais a Roslyn vão até o deserto caçar, ela desestabiliza o mundo deles.

Mas, com a direção de John Huston e com o roteiro do dramaturgo Arthur Miller, tudo passa a ser significativo: cada cena, cada diálogo. Mesmo assim corremos o risco de sermos enganados, se pensarmos tratar de um filme que romantiza um mundo supostamente ainda não envenenado pela civilização. Como bem sintetiza um diálogo, Gay diz para Roslyn que a acha a garota mais triste do mundo, ela responde que todos os homens sempre a julgaram feliz e ele conclui que é porque ela faz um homem sentir-se feliz.

Apesar dos momentos divertidos, certamente é um dos filmes mais tristes da história do cinema. A tristeza não é conquistada simplesmente porque os personagens têm biografias trágicas, provém mais de um choque entre os ideais e os fatos. Antes os mustangs eram usados como montaria, agora são usados por fábricas de comida de cachorro e de gato. “Começamos fazendo algo sem maldade... algo natural para nós... e de repente isso se torna mau”, diz Gay.


E entendemos tacitamente a impossibilidade de traduzir The Misfits, o nome original do filme, para o português. Se até verbetes do inglês às vezes não se encaixam em outro, o que dizer dos atos perante a moral e os bons costumes.

2 comentários:

Alessandro de Paula disse...

Ler este texto me fez quebrar o meu objetivo de ver o máximo de filmes japoneses possíveis antes de eu postar o texto de hoje. Não, não tenho acesso a este filme, mas fui buscar o que tinha da Monroe. Acabei vendo Quanto Mais Quente Melhor.

Espero um dia conseguir ver Os Desajustados, sim.

Jhésus Tribuzi disse...

Baixei esse filme só por causa do texto e, de fato, é coisa do outro mundo. Os rostos do Gable e da Monroe me passam uma tristeza muito grande. Sei lá, isso empalideceu os outros trabalhos deles.

 
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