8 de ago. de 2008

Em Cartaz: "A OUTRA"

Existe um tipo de filme que parece ter se constituído quase num gênero cinematográfico e que tem por base o sempre requentado filme de época. Trata-se daquela fita bonita de ver, bem fotografada, figurinos exuberantes, atuações bonitas e tramas melodramáticas. No geral, as mulheres são sempre vítimas do constante egoísmo masculino numa trama focada na França ou Inglaterra da Idade Moderna até o século XIX. A Outra se insere nestas coordenadas.

A Outra, de Justin Chadwick, baseado no livro Phillipa Gregory, poderia ser apenas mais um filme de época de encher os olhos, mas quis também ser um grande afresco “renascentista” das relações de gênero. Repleta de cenas exuberantes, de cenários que todos tomam como históricos, de protocolos de cortesãos que parecem históricos, a película mostra as desventuras das irmãs Bolena na corte de Henrique VIII, rei insaciável, que desgostoso com sua rainha oficial Catarina de Aragão, começa a transar com as Bolena, sempre com esperança de conseguir o filho varão que não possuia.

Tornou-se lugar comum os filmes de época funcionarem como palco de conflitos de gênero pré-emancipação feminina nos quais o poder patriarcal era combatido com as artimanhas femininas. De certa forma, é a arte feminina da sedução que se constitui no poder de fracos que as mulheres usam para poder resistir à pressão que os homens impõem naquele triste contexto. São estas as artes que a pequena Ana Bolena e outras mulheres da fita usam para enganar subverter a violência e a dominação de homens como Henrique Tudor.

O filme é estruturado num embate de gênero emoldurado pela cortina do passado. A sensualidade dos homens é confrontada com a argúcia feminina, mas em A Outra, a veia melodramática começa a punir a todos os que foram gananciosos. Apenas uma personagem, a justa Maria Bolena, sai com alguma dignidade dando uma lição de moral que nem mesmo o poderoso Henrique ousa contrapor. Sua pobre irmã, Ana Bolena, todavia, imersa na própria cobiça, é punida exemplarmente como ocorre nos melhores folhetins. A Outra se torna assim um tanto maniqueísta: os homens são tolos e sensuais, senão gananciosos e frios; as mulheres são românticas e altruístas, senão argutas e vingativas. No final, temos a impressão que a história da fundação da Igreja Anglicana é um grande melodrama que distribuiu suas qualidades graças ao incrível desejo de Henrique de transar com quem bem entendesse. No final, tanto no filme quanto na história inglesa, as mulheres saem destruídas por sua ganância e pela dos homens e os homens só perdem o pouco de dignidade e somente aos olhos contemporâneos.

Não esqueçamos que a fita é um melodrama de época. Todos têm que ser um tanto punidos e mesmo com a dignidade ferida, Henrique Tudor sai infeliz, talvez, mas ileso. Acho mesmo que o roteiro peca por ter feito de Henrique VIII um homem fraco, sensual e facilmente manipulável. Embora as atuações de Scarlett Johansson como Maria Bolena, e de Natalie Portman, como Ana, sejam muito boas, e seja compreensível a atração do Henrique VIII de Eric Bana por Maria, a Ana de Portman ficou aquém de sua tarefa. Ela não convence de que conseguiria hipnotizar o Rei apenas com algumas bravatas mal criadas. Embora se estabeleça um jogo, e fique claro ao espectador, que para Henrique importava antes de tudo ter o corpo de Ana Bolena, que é barganhado pela própria em troca de algumas vantagens, não se torna crível que sua majestade desistisse de uma série de seguranças políticas e colocasse um país inteiro em perigo. Contra todos os deslizes históricos, sem dúvida, imbecilizar o monarca inglês foi, de longe, o maior.

Todavia ficam na memória as atuações lindas de Johansson e de Kristin Scott Thomas, atriz pouco vista, mas magnífica no papel da mãe das Bolena. Portman está muito bem, mas acaba se tornando histérica em algumas cenas, embora seja aceitável pela dinâmica assumida por sua personagem. Eric Bana elaborou com vigor único o seu Henrique VIII, tornando mais estranha virar uma marionete tão facilmente do charme de Ana.

No final A Outra é um pouco isso: belos cenários e boas atuações num cinematógrafo pasteurizado de época dedicado às desventuras das relações entre homens e mulheres, um dos temas dos temas das histórias e estórias do mundo.

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