
A historicidade em questão é um dos fatores que fazem de Cabra Marcado para Morrer (1984), um objeto de análise sobre a situação política e histórica vivenciada pelo Brasil em um período de instabilidade política no governo de João Goulart (1961-64), que, por consequência, ocasionou um malogro na democracia brasileira – o Golpe Militar de 64. Os termos que derivam da História irão se repetir ao longo dessa pequena análise sobre o filme, o que é inevitável nesse caso, pois é assaz desnecessário ressalvar a importância da visão sobre a História, a fim de compreendermos e questionarmos o processo civilizatório da sociedade brasileira nos anos 60. Feita a ressalva, voltamos ao que o documentário proporciona, a luta política das Ligas Camponesas para exigir melhores condições de vida e de trabalho e a repressão sobre essa ação.
Muitos entendem a Ditadura Militar ocorrida no Brasil como um fato que atingiu apenas (ou em quase sua totalidade) as camadas urbanas, além das elites intelectuais e culturais do país, ai está um equívoco que é configurado através da abordagem cinematográfica. O interior do Brasil, especialmente o sertão brasileiro, foi esquecido pelo processo de desenvolvimento, desde a época em que éramos América Portuguesa (Brasil Colônia), passando pelo Império (onde o interior e o sertão foram pauta apenas na contenção das revoltas populares) até a República Velha, com suas contradições urbanas se estendendo até o Regime Militar. Aliás, esse Brasil esquecido foi bem retratado por autores da nossa rica Literatura até metade do século XX.

Finalmente, vamos ao foco central do documentário: a luta dos líderes camponeses para melhores condições de trabalho.

Em 1964, as filmagens foram interrompidas mediante a apreensão dos equipamentos e do material filmado no engenho da Galiléia (Pernambuco), sob a seguinte justificativa macartista de intervenção subversiva.
“Armas primitivas das Forças Armadas, filmes para a formação agitadora dos camponeses, holofotes para as projeções noturnas (o treinamento é intenso e diuturno), foram apreendidos pelo exército no Engenho Galiléia.”Com o pouco material registrado, o filme mostra a repressão militar contra os camponeses e configura o ambiente do meio rural e suas perspectivas de vida como: o desaparecimento e morte de outros dois líderes (algo corriqueiro na Ditadura Militar, principalmente nos anos de chumbo); alta adesão por outros líderes e suas famílias à Igreja Batista (mais uma vez a religião surge como válvula de escape para um sociedade reprimida e sem maiores expectativas de melhora). Os depoimentos de moradores e líderes camponeses são exibidos pelo diretor em uma projeção incompleta (ainda sem a montagem e edição final do filme) para a população de Sapé, isso já na década de 1980, quando o diretor acompanhou a atual condição de alguns personagens do filme.
Um caso particular que pauta o processo final da fita é a história da viúva de João Pedro, a agricultora Elisabeth Teixeira, que foi forçada a fugir de sua propriedade com alguns de seus filhos, tendo que viver na clandestinidade, sendo obrigada a mudar de nome (perda parcial de sua própria identidade) para Marta. O fato curioso é que, tendo vivido mais de 18 anos em insegurança, Elisabeth chega a ponto de ressaltar e agradecer por várias vezes à abertura política (“lenta, gradual e segura”) proporcionada pelo General Figueiredo, voltando ao seu estado natal (Paraíba) em 1983.

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