O filme A História Oficial (Luis Puenzo, 1985) é surpreendente. A surpresa, aliás, é o leitmotiv desse filme. Pode uma professora de história não saber nada do que se passa em seu país?
O filme trata da descoberta dessa mulher (Alicia) – que é um emblema das mulheres e seus sofrimentos; como a maternidade ou sua impossibilidade, da vulnerabilidade ante a violência de um homem, e é emblema também dessa classe média que não gosta de mudanças que, como a personagem mesma diz, “faria qualquer coisa para não perder suas conquistas, para que tudo ficasse como está.”
Em um ponto de sua vida, perto do aniversário de cinco anos de sua filha adotiva (Gaby), alunos começam a lhe perturbar: “a história é escrita por assassinos”, diz um estudante exaltado.
Nesse mesmo momento de sua vida, aparece um professor de literatura, com pequenas sutilezas, que a considera do lado do “vocês”; de repente a personagem percebe que ocupa um lugar, que está em um lado da história. Esse professor foi sutilmente demitido da faculdade onde lecionava, depois que seu apartamento foi invadido e nada sutilmente destruído.
Em um reencontro anual com as colegas de faculdade, aparece uma amiga depois de muitos anos, afastada da Argentina e, pela primeira vez, conta as circunstâncias que lhe fizeram fugir: fora presa e torturada por 36 dias, em um lugar cheio de pessoas nas mesmas condições que a sua, vendo, ainda, os filhos dos presos serem levados embora.
Diante de tantos relampejos, Alícia percebe suas verdades ruírem, começa a conhecer uma outra história que não a que estava acostumada a ensinar; começa a “apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”.
Alícia inicia um caminho sem volta, porque não é tarefa simples fingir não ver o que realmente vimos ou não saber o que descobrimos.
Sua transformação, sutil, vai aparecendo no novo penteado, na desconfiança em relação ao marido, na aproximação com o cunhado, que é o oposto do irmão. As brigas entre seu marido e o sogro se enchem de sentido. O pai diz ao filho: “Pelo menos, eu tenho a consciência limpa” - será que o desgosto de ter um filho colaborador da ditadura argentina pode se equipar ao sofrimento do filho torturado em seus porões?
Como a história, o enredo do filme se repete. Se, quando menina, Alícia esperava pelos pais que nunca voltariam porque estavam mortos, Gaby espera e balança na mesma cadeira por uma verdade que talvez não virá.
No relacionamento do professor de literatura com essa professora de história, dela com seu marido, com a filha, com o mundo ao seu redor, além de surpresa há muita esperança. A História Oficial é um filme que tem um discurso positivo no sentido de narrar uma história em que é possível mudarmos de lado, quando percebemos que o lado em que estamos pode ser o errado. Além de um certo otimismo, há um apelo para que se perca qualquer inocência; e para pensarmos que talvez as coisas pelas quais estamos dispostos a nos sacrificar para que continuem assim, deveriam, na verdade, ser radicalmente transformadas.
23 de out. de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário