Orquestra de Meninos de Paulo Thiago foi julgado hoje no Jornal Folha de São Paulo. Veredito: ruim. O juiz é Paulo Santos Lima, em “colaboração para a Folha”. Por que nos acostumamos a fazer do crítico de cinema um juiz?
Pode ser porque o ingresso seja caro e não se pode desperdiçar. Antes de pegar a carteira, é necessário fazer uma longa verificação na jurisprudência sobre cinema. Sinopses e críticas nos trazem o filme sem o filme. Podemos ter algo parecido com aquela colherinha de sorvete que provamos antes de levar uma bola. A despeito de toda a ladainha de que a arte é nosso alimento maior, o cinema no Brasil tem sido dominado em todos os momentos (produção, divulgação, crítica) pelo valor. Por isso é necessária uma avaliação, estrelas e outras métricas que fazem do filme algo mensurável. Mas, a dúvida é saber se a arte – e tudo o mais – é mensurável. Para quê? Mensurá-la é limitá-la, violentá-la. É fazer do crítico o dono de um filme pobre, do qual ele não conseguiu tecer qualquer articulação com a sua medíocre vida de juiz de casos que não lhe cabe julgar. Seu poder é o de reduzir as possibilidades da luz e criar falsos gênios, obras-primas com códigos de barra e se servir de espátula ou bisturi artístico para uma sociedade que se sujeita a pautar a sua vida segundo os pobres cadernos de cultura dos jornais, esmagados entre uma sentença cultural e uma coluna social. No fim das contas, saias, decotes e enquadramentos terminam no gosto do especialista?
Não se trata de advogar em favor do filme de Paulo Thiago. O filme pode e deve ser criticado. Mas, a crítica deve se alçar em algo além de si mesma, além da sua virtude de crítico, que eclipsada não é nada. O crítico, assim como o filme, é uma ponte aos outros e não a si mesmo. O nobre crítico diz “Mas não faz boa arte, e o longa será um compêndio de más escolhas: os enquadramentos que colam feio no rosto dos atores e a dramaturgia simplória” e ficamos sem saber o que é, para ele, boa arte. Aliás, o conceito de bom/ruim tem feito uma grande festa (quase uma orgia) na Ilustrada da FSP, desde a coluna da Mônica Bergamo até as críticas de cinema. Tudo é bom/mau, feio/bonito, chego a pensar que estejam avaliando apenas algumas tendências. Será? Mais adiante, o crítico fala em “vilões caricatos” e um dos vilões é Othon Bastos. Dá um TILT no conceito de vilão/mocinho, ruim e bom do crítico. E os parênteses são convocados para uma correção: “(e do qual nem o ótimo Othon Bastos consegue sair ileso)”. Ufa! Salvou o ator de filmes avalizados do cinema nacional, ele está novamente ao lado dos bons. Nesse caso, não foi culpa dele. Afinal, um filme não se faz pela atuação dos seus atores, sobretudo quando eles não têm culpa de nada, não é mesmo?
Nesse jogo maniqueísta e rasteiro, cuja a pobreza conceitual da crítica fica cuspida na cara do idiota do leitor que compra o jornal, o filme fica fora da roda e é o martelo do crítico que aparece.
O filme Orquestra de Meninos, assim como O Caso dos Irmãos Naves de L. C. Person, procurou fazer da reconstrução ficcional de uma “história real” uma oportunidade para pensarmos sobre a violência no Brasil.
O interessante é que os filmes não se fixam na violência do estado autoritário ou mesmo em uma violência de foco único. Eles usam a ficção para conseguir abarcar os múltiplos espaços de violência e cinismo da sociedade brasileira: o estado, a imprensa, o legislativo, o judiciário e também os moradores pobres. Sob esses filmes, as divisões clássicas da história entre ditadura militar e redemocratização caem por terra. Mesmo a Constituição Cidadã de 1988 fica rasgada (ou ainda não escrita) em 1993. É a ficção a única arma que o cinema possui para dar a sua versão sobre os fatos impregnados de cinismo. No filme documentário, as cenas de tortura estão sempre ausentes, só ocupadas pelo depoimento de quem as viveu. Na ficção, as cenas de violência sem registro podem ganhar uma versão que reforce os depoimentos de quem as viu efetivamente e de quem as viu e não viveu para contar.
A narrativa de Paulo Thiago é simples e enxuta, sem malabarismos estéticos, justamente porque não se trata de feio/bonito, de ousado/simplório. O que o filme pretende discutir é uma injustiça com a arte. Se a arte dos meninos é boa ou ruim, não sei, mas o que importa se a arte é boa ou ruim? Importante é como ela dialoga com a sociedade em que vive e que relações ela estabelece a partir da sua criação. No caso do filme, a música foi conquistada por Mozart e pelos meninos que dela necessitavam. Precisavam não do belo ou do bom, mas precisavam fazer, dialogar, expressar-se. Logo foram violentados por aqueles que passam os dias cultuando o bom e o belo, engravatados, cheirosos e bem alimentados.
O filme Orquestra de Meninos emociona e instaura pela ficção cinematográfica uma história a contrapelo, afrontando a história instituída na imprensa e nos poderes. Na sua narrativa, mescla-se a esperança e a violência fazendo-nos refletir sobre a necessidade de dosar o otimismo da vontade e o pessimismo da razão ante ao idealismo intimista e egocêntrico que reina cínico de segunda à segunda, 24h por dia.
Pode ser porque o ingresso seja caro e não se pode desperdiçar. Antes de pegar a carteira, é necessário fazer uma longa verificação na jurisprudência sobre cinema. Sinopses e críticas nos trazem o filme sem o filme. Podemos ter algo parecido com aquela colherinha de sorvete que provamos antes de levar uma bola. A despeito de toda a ladainha de que a arte é nosso alimento maior, o cinema no Brasil tem sido dominado em todos os momentos (produção, divulgação, crítica) pelo valor. Por isso é necessária uma avaliação, estrelas e outras métricas que fazem do filme algo mensurável. Mas, a dúvida é saber se a arte – e tudo o mais – é mensurável. Para quê? Mensurá-la é limitá-la, violentá-la. É fazer do crítico o dono de um filme pobre, do qual ele não conseguiu tecer qualquer articulação com a sua medíocre vida de juiz de casos que não lhe cabe julgar. Seu poder é o de reduzir as possibilidades da luz e criar falsos gênios, obras-primas com códigos de barra e se servir de espátula ou bisturi artístico para uma sociedade que se sujeita a pautar a sua vida segundo os pobres cadernos de cultura dos jornais, esmagados entre uma sentença cultural e uma coluna social. No fim das contas, saias, decotes e enquadramentos terminam no gosto do especialista?
Não se trata de advogar em favor do filme de Paulo Thiago. O filme pode e deve ser criticado. Mas, a crítica deve se alçar em algo além de si mesma, além da sua virtude de crítico, que eclipsada não é nada. O crítico, assim como o filme, é uma ponte aos outros e não a si mesmo. O nobre crítico diz “Mas não faz boa arte, e o longa será um compêndio de más escolhas: os enquadramentos que colam feio no rosto dos atores e a dramaturgia simplória” e ficamos sem saber o que é, para ele, boa arte. Aliás, o conceito de bom/ruim tem feito uma grande festa (quase uma orgia) na Ilustrada da FSP, desde a coluna da Mônica Bergamo até as críticas de cinema. Tudo é bom/mau, feio/bonito, chego a pensar que estejam avaliando apenas algumas tendências. Será? Mais adiante, o crítico fala em “vilões caricatos” e um dos vilões é Othon Bastos. Dá um TILT no conceito de vilão/mocinho, ruim e bom do crítico. E os parênteses são convocados para uma correção: “(e do qual nem o ótimo Othon Bastos consegue sair ileso)”. Ufa! Salvou o ator de filmes avalizados do cinema nacional, ele está novamente ao lado dos bons. Nesse caso, não foi culpa dele. Afinal, um filme não se faz pela atuação dos seus atores, sobretudo quando eles não têm culpa de nada, não é mesmo?
Nesse jogo maniqueísta e rasteiro, cuja a pobreza conceitual da crítica fica cuspida na cara do idiota do leitor que compra o jornal, o filme fica fora da roda e é o martelo do crítico que aparece.
O filme Orquestra de Meninos, assim como O Caso dos Irmãos Naves de L. C. Person, procurou fazer da reconstrução ficcional de uma “história real” uma oportunidade para pensarmos sobre a violência no Brasil.
O interessante é que os filmes não se fixam na violência do estado autoritário ou mesmo em uma violência de foco único. Eles usam a ficção para conseguir abarcar os múltiplos espaços de violência e cinismo da sociedade brasileira: o estado, a imprensa, o legislativo, o judiciário e também os moradores pobres. Sob esses filmes, as divisões clássicas da história entre ditadura militar e redemocratização caem por terra. Mesmo a Constituição Cidadã de 1988 fica rasgada (ou ainda não escrita) em 1993. É a ficção a única arma que o cinema possui para dar a sua versão sobre os fatos impregnados de cinismo. No filme documentário, as cenas de tortura estão sempre ausentes, só ocupadas pelo depoimento de quem as viveu. Na ficção, as cenas de violência sem registro podem ganhar uma versão que reforce os depoimentos de quem as viu efetivamente e de quem as viu e não viveu para contar.
A narrativa de Paulo Thiago é simples e enxuta, sem malabarismos estéticos, justamente porque não se trata de feio/bonito, de ousado/simplório. O que o filme pretende discutir é uma injustiça com a arte. Se a arte dos meninos é boa ou ruim, não sei, mas o que importa se a arte é boa ou ruim? Importante é como ela dialoga com a sociedade em que vive e que relações ela estabelece a partir da sua criação. No caso do filme, a música foi conquistada por Mozart e pelos meninos que dela necessitavam. Precisavam não do belo ou do bom, mas precisavam fazer, dialogar, expressar-se. Logo foram violentados por aqueles que passam os dias cultuando o bom e o belo, engravatados, cheirosos e bem alimentados.
O filme Orquestra de Meninos emociona e instaura pela ficção cinematográfica uma história a contrapelo, afrontando a história instituída na imprensa e nos poderes. Na sua narrativa, mescla-se a esperança e a violência fazendo-nos refletir sobre a necessidade de dosar o otimismo da vontade e o pessimismo da razão ante ao idealismo intimista e egocêntrico que reina cínico de segunda à segunda, 24h por dia.
2 comentários:
Concordo com Paulo Santos Lima. O filme é ruim. Talvez o que o autor desse texto e vários outros que se "encantaram" pelo filme não perceberam é que há uma grande diferença entre a história real e o que foi retratado na produção. A primeira por si só é emociante, já a segunda é uma monotonia só. Não consegue entusiasmar, emocionar. O desempenho do elenco é ruim, com raras exceções. Tem cenas patéticas, sobretudo a primeira e a do menino saindo cambaleando da lixeira após ter sido sequestrado. Dá pena de tão fracas. Na sala em que assisti, que já começou com pouco menos da metade das cadeiras ocupadas, restaram pouco mais de seis pessoas. Muito levantaram e foram embora. Só não levantei por respeito à arte e ao meu bolso.
O problema é que qual diferença é essa? O que é bom/ruim? Arte/não arte? Fraco/Forte?
O grande problema da atualidade é que discute-se muito estética no restaurante e gosto na arte.
sintomas do fetichismo dos bolsos.
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