4 de fev. de 2009

O Olhar Estrangeiro: "A ALEMANHA DESCOBRE A ÁFRICA"

As férias acabaram, inclusive aqui. Claro, durante esses períodos muitos de nós viajam. Pois o ano reinicia, agora, com o mote viagem. O Olhar Estrangeiro é a série de posts para fevereiro e trata justamente de obras de diretores que tiveram um olhar diferenciado para determinadas partes do globo. Como Werner Herzog, que já filmou em quase todo canto do planeta. Inclusive, no Brasil, filmou partes de Cobra Verde, filme a ser "dissecado" aqui futuramente.

Se a primeira metade de Cobra Verde se passa no Brasil, a segunda se passa na África, para onde o bandido Cobra Verde é enviado como punição por ter engravidado as filhas do patrão. Lá ele encontra disputas tribais e se vê em luta contra a natureza e os instintos mais primitivos do ser humano. Mas falar de natureza e da ação do homem sobre ela não é novidade na filmografia de Herzog. Em 1969, ele esteve na África do Norte para filmar um dos seus primeiros grandes "delírios", Fata Morgana. Narração em off da origem do mundo, imagens do deserto em que o homem só vai aparecer depois de mais de 20 minutos de filme. Cadáveres de animais que tiraram seu sustento do planeta, para depois tudo devolverem. Restos de aviões, velhos veículos. A criação, o paraíso, a era de ouro. Obsessão por lagartos, futilidades sobre tartarugas. Um duo (horrível) de piano e bateria num salão de festas vazio. Leonard Cohen e tudo isso pra mostrar o fracasso dos deuses. Não se encontram concessões nos filmes de Herzog. E provavelmente não havia mesmo melhor lugar para retratar a miragem (exatamente o significado de Fata Morgana) do ser humano que o deserto norte-africano.

Mais recentes e menos contundentes são duas produçoes alemãs das quais falarei agora. A primeira delas é Lugar Nenhum na África, de Caroline Link. O filme foi o ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2003. Um prêmio estrangeiro sobre um olhar estrangeiro. Seria mais um típico filme de perseguição nazista a judeus, se a família que forma o núcleo do filme não tivesse se instalado no coração da África, mais precisamente, no interior do Quênia. Eis o mote: o desafio da adaptação a uma outra realidade. O pai, antes da chegada de esposa e filha, sofre com a malária e é salvo por um funcionário da fazenda onde vai trabalhar. Este, chamado Owuor, é a figura do africano humilde, servil e amigo. Tanto que "adota" a pequena Regina, filha do casal Redlich. Ela lhe tem tanto apreço que a adaptação torna-se fácil. Na medida em que cresce, é ela quem se torna a ligação dos pais, sobretudo da reticente mãe, com a cultura local, chegando a levar a mãe a uma cerimônia dos nativos.

Linha semelhante segue o filme de Hermine Huntgeburth, A Massai Branca. Neste, a turista suíça Carole, no penúltimo dia de férias no Quênia junto a seu namorado Stefan, conhece Lemalian, guerreiro da tribo Samburu, e se encanta por ele. O encantamento é recíproco e, numa atitude inverossímil (embora o filme seja baseado em fatos reais), ela abandona tudo pra viver com Lemalian. Se nos braços do guerreiro Carole vive grande paixão, a realidade é falsa adaptação. Nascida em berço capitalista, nunca vai se adequar aos costumes do lugar. Todo o tempo ela está tentando remoldar a própria vida e as dos que estão ao seu redor. Ela também pega malária (ah, os clichês...). Há o choque de ver uma mutilação feminina. Há o comércio que ela abre e o hábito local de dar crédito aos amigos. Mas... todos são amigos ali na aldeia. Há o ciúme. Mas não há possibilidade de conciliação.

Pode-se dizer que os filmes de Herzog trazem consigo um olhar fatalista e, no que diz respeito a Fata Morgana, contemplativo e fatalista. Nos filmes de Link e Huntgeburth, o que mais pesa é, além do formato convencional, ora a fascinação pelo diferente ora o conflito. Independente do rótulo que se possa dar a estes filmes, creio que representam bem estes olhares germânicos para a África.

Que venha a próxima viagem!

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