um pouco sobre History of Violence - David Cronenberg ( 2005)
A consciência do poder que se tem não aparece quando se quer. O tal do Stall, o Tom Stall (Tom é nome demasiadamente másculo nos EUA). Ele é o personagem que em um melograma de um melodrama clássico americano precisaria – o viril que não mostra sua virilidade.
Ele demonstra sua força somente quando seu inconsciente o provoca. Ele era um marginal procurado, um inimigo público, um daqueles que é prejudicial à ordem norte americana. Isso cansa. Tom, que não é Tom, finge ser outra pessoa – se conscientiza de seu papel no mundo calmo e pacato de uma cidade do interior. Ele manda em seu pequeno mundo, em sua loja, em seus filhos.
O personagem principal era antes um personagem público. Ele matava por aluguel, ele feria a sociedade. Agora, conscientizado, ele é um personagem privado – cuida de sua casa, somente. Antes ele era algo que o espectador, nós, não temos noção porque o filme começou depois disso tudo. A gente sabe que ele é um herói. A gente o conhece como herói.
Herói americano, ele salva pessoas por força de seu destino. É mais forte que ele, esse “instinto” violento. Que bom, diriam alguns, que ele o usa pra salvar, agora. Pra nos salvar, diriam outros. O herói americano é o mais convincente hoje por sua agilidade, amabilidade, além de ser pai de família e cuidar de sua prole. Nos redime da marginalidade, nos coloca nos eixos do comportamento calmo – o melodrama se instala.
A psicologia clínica explica: há distúrbios de personalidade. Esses distúrbios são os que distinguem os bons dos maus em sociedade: o joio do trigo. Não falo ainda da anomia, mas de pessoas que são estereotipadas como prejudiciais num convívio social. O filho de Tom, que fuma maconha na rua com sua amiga, e é colocado como um marginal em potencial na escola, nesse caso, é visto como um pequeno anti-herói. Ele se sacrifica em seu destino que por acaso não o daria muitas chances – dá um soco no mais valente, no mais popular, no mais vencedor. No protótipo de seu pai, simplificando. Mas seu pai não era um vencedor. Só vamos saber disso depois, uma articulação irônica de Cronenberg, um jogo com a percepção estereotipante do espectador americano.
Mas Tom quer apagar seu passado. Ele quer ser limpo – e quer se limpar diante do espectador, afinal ele é um herói. E, ao final, sai brilhando. Há quem diga que existe ironia no fundo daquela família sem eixo. Entretanto, pressuponha que seu instinto violento, a força de Tom agora está sendo usada para o bem de sua família – e conseqüentemente da família americana. Por isso o filme propagandeia o lado mais conservador de tal sociedade. Por isso o cinema clássico americano, apesar de ter seus cineastas mais inventivos e contestadores (como David Cronenberg) ainda é parco, pobre e não consegue nos dar mais do que uma conscientização do bem e do mal em lados opostos e bem definidos. De maneira que o crucifixo de Tom nos chama atenção para sua crença. E de maneira que nos inclui nessa crença, e nos engana.
Como cinema, eles têm consciência de seu poder. Como espectadores, ainda temos que batalhar muito pra ter consciência disso.
Um comentário:
Eu gosto muito do cineasta David Cronenberg, muita folia....
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