23 de jan. de 2006

"The Killers (1964)" - a vanguarda americana atuante deixando rastros pro futuro


Baseado numa novela de Ernest Hemingway, o filme The Killers foi primeiro filmado em 1946, por um diretor chamado Robert Siodmak – Judeu alemão erradicado em Hollywood durante o avanço nazista pela Europa. Siodmak fazia filmes B, e chegou a filmar Phantom Lady, um dos primeiros filmes noirs em ruas (all-out noirs). Nesta época podemos assistir a Noirs bastante intensos em seu ar cinzento e com teores de suspense – os chamados melodramas de crime, pelos mais críticos.

Filmes Noirs notificaram o universo da corrupção, mesmo que com ironia como em Touch of Evil – de Orson Welles, ou a magnitude do crime, como em Scarface, de Howard Hawks. Eram centenas de filmes feitos à noite, no geral com tramas e intrigas desdobradas em salas de estar ou delegacias – nos estúdios, e finalizadas em esquinas ou bares – também nos estúdios.

Com o tempo, o cinema hollywoodiano e seus gêneros foram entrando em uma crise profunda. A chegada da visão de “vanguarda” advinda da Europa, com filmes extremamente críticos ao jeito de se tratar quem vê o filme americano, como o Neo-Realismo – este que influenciou demais a Nouvelle Vague e qualquer cinema feito com ares de realidade (é só ler o que Bazin dedicou aos italianos do neo-realismo), faz com que alguns cineastas entrem nessa “nova onda” (new wave). É tempo do
McCarthismo nos EUA, agora em 1950.

Há quem diga que alguns filmes noirs explicitavam alegoricamente as práticas macartistas. A perseguição de Joseph McCarthy (1908-1957), senador da direita americana foi chamada de Caça às Bruxas. Pra quem ainda não sabe, a época era de guerra fria, e o comunismo era uma ameaça fantasma para qualquer conservador ocidental. Nosso Golpe Militar aconteceu pela mesma razão levantada pelo senador – “se não houvesse retaliação, coerção, os comunistas tomariam o poder” diziam eles. Elias Kazan sofreu sua vida quase inteira por ter citado nomes de cineastas e produtores aparentemente comunistas na inquisição feita pelo senador McCarthy. Kazan era um autor, não há dúvidas - seus filmes após esse período de inquisição hoje são provas de seu arrependimento, ou tentativas de desculpas por ter delatado companheiros.

Passou-se o pior, e a direita americana se acalmou um pouco. Mas não a esquerda.

Os EUA, apesar de tudo, já não viam mais tanta ameaça dos comunistas, pois em toda a “sua” América Latina havia um governo forte, de direita - as ditaduras que mantinham a ordem e a paz para as classes médias burguesas contra a ameaça dos subversivos. Na década de 60 ainda existiram alguns motins, óbvio que por conseqüência de um avanço de idéias progressistas – estas sempre vindas da Europa. Godard filmava textos Maoístas – e indicava um cineasta norte americano como uma gota vermelha no oceano azul. John Cassavetes.

Estamos na década de 60: a crise estética norte-americana no cinema abre especo para film-makers mais experimentais, como Roger Corman, Cassavetes, e a força esquerdista vinda da Europa destruía qualquer indício de conservadorismo na arte. Não é preciso citar que foi na década de 60 que houve a tal “revolução de maio de 68” na França.

Voltamos agora para a novela de Hemingway (um comunista, a propósito) – The Killers. John Cassavetes aparece como ator na outra adaptação feita por Don Siegel, em 1964. Para quem viu The Killing of a Chinese Bookie, uma obra prima de John Cassavetes filmada parcialmente de dia, a segunda metade à noite, percebeu um thriller estranhíssimo, que beira o hiper-realismo com seu ar de Cinema Direto (vertente que influenciou bastante Cassavetes). Não pode se assustar, então, com as tomadas feitas em The Killers. Era dessas aparições em filmes hollywodianos que Cassavetes tirava dinheiro pra fazer seus filmes. Seu colega e produtor (também ator nas horas vagas) Seymour Cassel faz uma ponta no filme de Siegel, pra evidenciar que a comunidade era forte, e não há como se enganar que pessoas ligadas à esquerda tentavam minar o poder absurdo que tinham os conservadores nos EUA.

Como pode um Noir ser filmado todo, absolutamente todo, sob o sol? É o que Donald Siegel faz. Há também diversas passagens em ruas, o filme é contado ao contrário... Além desta observação, há uma disputa entre dois personagens no filme, que nos remete a uma ironia do destino.

O futuro presidente dos Estados Unidos, então ator Ronald Reagan, faz papel do vilão mais denunciativo que já existiu. Um dono de empresas, galã, que exprime todo seu ar de superior, de conservador e forte – é ele que aparece como um ladrão de marca maior em The Killers. John Cassavetes, óbvio, herói de uma esquerda americana, é cooptado pelo personagem de Reagan no meio do filme, pois não havia outra opção – ele cai num fim trágico ao absurdo, por sinal. Tudo por estar apaixonado – um idealista, na verdade. Morre por ir atrás daquilo que não é o que lhe dá poder.

Jonny (nome do personagem de John Cassavetes no filme) morre, logo no início em uma escola especial para cegos, onde ele, depois de ter passado por tudo o que veremos no filme, se estabiliza como professor. É morto por dois assassinos neste início, e nós, assim como todos aqueles alunos deficientes visuais que gritam sem saber pra onde ir, não podemos fazer dizer nada sobre o que acontece à nossa frente.

Podemos, sim, analisar The Killers de Siegel como uma exceção, depois de vê-lo. Ele alegoriza, mesmo que certas vezes sem ter essa intenção direta, uma boa parte do que aconteceu e acontece com aqueles subversivos norte-americanos, antes chamados de bruxas ou comedores de criancinhas. São apenas dois assassinos (um deles feito por Lee Marvin) impulsionados por algo maior que qualquer vertente política – mas que desmascara as tais vertentes. Os dois percorrem todos os lugares, à procura de algo que os EUA sempre esteve atrás, seja com McCarthy ou com Reagan: uma mala entupida de dinheiro, e seus alvos: os subversivos.

Um comentário:

Leonardo Mecchi disse...

Curioso que ambas as questões - o filme noir e o macartismo - estarão em evidência em Fevereiro, com a mostra "Filme Noir e suas Fronteiras" no CCBB-SP (que contará com filmes de Don Siegel, Orson Welles, Anthony Mann, Fritz Lang, Nicholas Ray, entre outros) e com a estréia de "Boa Noite e Boa Sorte", de George Clooney.

Este artigo veio em boa hora!

 
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