9 de mar. de 2006

“Lugares Comuns”: a virtude e o vício em 1789

Filmes complexos normalmente são irredutíveis a um título-síntese. O filme Lugares Comuns, entretanto, relativiza essa máxima. Por um lado, o título é a chave explicativa do enredo e seu conceito elementar. Por outro, é ponto de partida para muitas reflexões, extrapolando o conceito elementar, sem perder a poética e a riqueza narrativa.

A primeira indicação do título aparece na última aula do professor. A curiosidade filosófica antiga é o seu último conselho para os alunos que não sabem literatura, mas estão aptos a ensiná-la. Perguntar-se antes de tudo e espantar-se com o óbvio é o lugar comum primevo, do qual o personagem jamais se separará. A emoção que acompanha o fim abrupto de sua profissão, o fechar do caderno que orientaria sua aula e o olhar melancólico enchem de sentido a reafirmação dos jargões filosóficos, o lugar comum torna-se necessidade última e urgente.

Num outro plano, a realidade Argentina carrega todo o peso da crise, da mesmice, da frustração, da falta de sentido. A ausência de pensamento do reitor ou a remuneração insuficiente para viajar até a Espanha confirma a nevoa do neoliberalismo e do desmonte institucional que paira sob toda a América Latina. O lugar comum assume também a perspectiva histórica da derrota econômica e política do povo argentino, mas também latino-americano.

O contraste entre o mundo latino-americano e o mundo europeu apóia a moda cinematográfica atual do conflito privado entre pais e filhos. Assim como Adeus Lênin e Invasões Bárbaras, o privado polariza um debate entre mundos distintos. Porém, diferente de Invasões Bárbaras, em Lugares Comuns o mundo burguês é inevitavelmente falido, tanto na Argentina em crise, quanto na Espanha rica e xenofobica. Por mais que o amor familiar exista, o livro que imortalizaria as últimas reflexões desse professor de literatura é engolido pelo detector de metais. Esquecido pelo filho, o livro perdido é a cisão dos mundos, é a incapacidade de reflexão, o lugar comum do pensamento único capitalista. Na verdade, a ausência de pensamento.

Então, afinal, que mundo é esse do professor? Perguntado num jantar entre amigos, ele anuncia que - antes de Fidel, Lênin ou Marx – ele ainda está em 1789. A ante-sala da vitória burguesa é seu refugio, o pós-revolução francesa é o ciclo vicioso, gerador dos lugares comuns dos quais ele é vítima. Sua ante-sala é, portanto, o sítio. Espaço da possibilidade, da gênese, da tentativa de elaboração de respostas ao lugar comum virtuoso da filosofia e da poética.

Esperança ou tragédia? A conclusão é controvertida e também é parte da escolha de cada um por esperar em 1789 ou embarcar no mundo burguês. O trágico está na incapacidade prática de se descolar dos lugares comuns viciosos, algo como tentar parar de fumar na vida privada. O esperançoso está no encantamento que, por vezes, o lugar comum virtuoso provoca nos que não se dão conta do mundo burguês, algo como conquistar uma mulher em poucos segundos com uma sinceridade inabalável e ainda fazê-la desistir mais rápido ainda para não se quebrar o encanto.

Um comentário:

CHICO FIREMAN disse...

Roberto, começou o processo de seleção de novos membros para a Liga dos Blogues Cinematográficos. Se quiser participar, deixa um comentário no blogue da liga. É necessário ter a indicação de um membro do grupo. Caso não conheça ninguém, pode dizer que fui eu.

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