17 de jul. de 2006

De Auschwitz ao mercado: cenas do estado de exceção permanente

O filme El Método(2005) do argentino Marcelo Pineyro impressiona pela enorme lucidez e atualidade. Com um filme irônico, trágico, engraçado, sem grandes apelos técnicos, Marcelo é capaz de tratar da contemporaneidade e seus dilemas mais profundos com incrível naturalidade.

Os cenários reduzidos à situação básica do filme - um processo de seleção para altos executivos - parecem ensinar uma lição aos partidários dos rodopios estéticos e técnicos do cinema pós-moderno. Para esses, o filme é enfático: não precisamos de muito, basta nos voltarmos ao absurdo cotidiano, reconstituí-lo e discutí-lo e teremos um bom filme.

Avaliados por um método de seleção radical, muito semelhante aos jogos de reality shows, o que
se faz durante todo o filme é uma parábola dos tempos atuais. Sob a ditadura do método de seleção, produz-se justamente um estado de exceção permanente que abole qualquer resquício de relação política, social e afetiva entre os homens ali presentes. Com a opressão da regra do método, reina a desconfiança, a insegurança e o golpe é a lei, ou seja, a individualização exacerbada já que não se pode confiar em ninguém.

Por isso, o debate é sempre cínico e dissimulado, pois não se pode apresentar-se abertamente, pois tudo compõe um jogo de simulação mútua e competição acirrada, o que muito se assemelha ao papel da imprensa, arrogando imparcialidade, embora consciente de que administra e realiza negócios e interesses. Também a discussão coletivizada ou qualquer politização é impossível nesse ambiente. Prova disso é a cena em que um dos personagens é eliminado pelos concorrentes porque havia "traído" a empresa para salvar o país de um desastre ecológico. E nem mesmo a miníma aproximação afetiva é possível, uma vez que o sexo e o amor são no filme mediados pelo método e nada mais fazem do que compor o jogo de destruição entre os participantes. A mocinha do filme primeiro transa por interesses estratégicos da seleção, mas depois perde a disputa justamente por apostar no amor.

O método do filme é muito semelhante à teoria do estado de exceção, na qual o poder soberano tem o poder de suspender qualquer lei e ser por lei um fora da lei. É mesmo isso que faz o filme, cria um método de seleção onde vale a vitória a qualquer preço, o que é bastante semelhante ao mundo que vivemos desde meados do século XX, no qual não há qualquer limite ao poder estabelecido, ao capital e à opressão e tudo pode ser feito em prol do funcionamento dessa ordem, não importa se o holocausto, a guerra do Iraque ou a vaga numa grande empresa. Tudo vale pelo poder e nada sobra.

2 comentários:

Anônimo disse...

ótima crítica e análise, tentarei ver o mais breve possivel

Anônimo disse...

está no ar o blog de miguel cordeiro (colaborador do blog clashcityrockers de salvador) com post sobre musica, arte contemporanea e outras coisas.
o endereço é:
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