19 de mai. de 2007

A carência dos vencedores

Phillipe Barcinski em seu primeiro longa metragem, Não Por Acaso, desenvolve um olhar peculiar sobre personagens supostamente bem sucedidos: a executiva absorvida pela lógica financista e o técnico especializado em trânsito, refém do pragmatismo e da previsibilidade. Nas revistas semanais e nas tele-novelas, esses tipos sociais são dotados de uma virtude unívoca capaz de definir o modelo de felicidade, riqueza e perseverança a ser seguido por toda a população. No filme, ao contrário, esses modelos são depositários de um mundo solitário e frio, imerso na técnica que é incapaz de lhes doar algum sentido ou realização.

À contrapelo de um cinema nacional mais voltado para as classes subalternas e para os lugares de crise socio-econômica mais aguda, o cinema de Barciski nos mostra como é possível pensar a pobreza (em sentido amplo, não só material) e a opressão da vida urbana brasileira através de um olhar mais desconfiado em relação aos modelos de sucesso.

Essa preocupação do diretor já se manifestava nos seus curtas. Em Palíndromo apenas a experiência estética de ver o mundo de trás para frente. Mais que uma brincadeira com o tempo, no seu curta o lugar é emblemático (a avenida Paulista) ao produzir uma visão desafiadora sobre o espaço urbano do progresso material. O viaduto que olha para o executivo em desespero possui uma simetria com o arranha-céu que o engole todos os dias para o trabalho. Assim, o suicídio se aproxima perigosamente da financeirização cotidiana das relações humanas. Associar o desespero do indivíduo esfacelado e o discurso totalitário da eficiência profissional é só uma das diversas sugestões permitidas por esse curta, ao associar o vínculo umbilical existente (como diz Benjamin) entre o progresso e a barbárie.

Em Não por Acaso, a desconfiança com o mundo da técnica, da previsibilidade e do sucesso continua. Por meio de narrativas paralelas que se tocam pelo acaso, seguem duas histórias originadas em um acidente de trânsito. Quase que independentes narrativamente, elas possuem um espelhamento de seus conflitos, marcados pelo mundo técnico em crise. Em uma, o engenheiro de trânsito perde a mãe de sua filha e tem a estabilidade da sua solitária e gélida vida cortada pela aproximação da filha. Em outra, o namorado da estudante atropelada no acidente se envolve com uma executiva bem sucedida, locatária do apartamento da namorada.

Nas duas narrativas, os representantes do sucesso demonstrarão o profundo despreparo que possuem para viver fora de suas bolhas de excelência profissional. Não obstante, estarão crescentemente seduzidos pela beleza da simplicidade dos laços humanos. O engenheiro se afetará pelo ímpeto da filha de recuperar a afetividade paterna que nunca possuiu. A executiva, negociante de comodities e apreciadora de cafés de luxo, se verá completamente envolvida pela vida carregada de afetividade de um fazedor de mesas de sinuca, herdeiro da arte legada pelo pai.

O título do filme atenta para a tênue relação entre as narrativas paralelas, como se quisesse dizer que não é por acaso que elas se repetem, não é por acaso que aqueles personagens aparentemente vencedores são depositários de uma pobreza tão grave quanto a pobreza material.

Não é por acaso que o cinema brasileiro se diversifica e se debruça não só sobre os vencidos, pois também os vencedores não obterão a felicidade que tanto desejam se prosseguirmos num mundo rodeado pelo culto da técnica, da eficiência e da cura para todas as doenças.

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