1 de mai. de 2007

Assalto ao Trem Pagador (1962) - Roberto Faria

Roberto Faria seguiu a fórmula que Humberto Mauro tinha inventado, segundo Glauber havia escrito mais tarde, em Ganga Bruta. Simples: ir ao Brasil. O cinema precisava ir ao Brasil. Filmar a cachaça, e, se pudesse, colocar esse nome em um personagem. No Assalto ao Trem Pagador, de 1962, é Grande Otelo quem faz o personagem que pontua o humor.Tínhamos então, finalmente, um filme que contava uma história completamente brasileira.

Até tentaram dizer que quem tinha assaltado o trem havia sido um grupo de estrangeiros. Brasileiros não conseguiriam isso. Talvez na história real isso tenha acontecido, mas no filme não. O filme é brasileiro, porque o assalto não pode ser? A gang, o grupo de ladrões é liderado por um engenheiro imaginário, criado por um dos membros da classe média carioca - personagem vivido por Reginaldo Farias, o Grilo.

Enfim, todo o restante dos tipos vêm da favela. Inclusive, a maioria do filme se passa nos morros, tal como Cidade de Deus, o filme popular de hoje em dia. A fórmula, portanto, é seguida até hoje - mesmo que por publicitários. A favela é o lugar dos que não têm oportunidades, dos negros, como os quilombos antigos de nossa era escrava. E ela é constantemente vigiada pelo Estado, pela força policial, e pelas lentes objetivas das câmeras. Eles não podem usufruir nada do que conseguiram no assalto, com o perigo de serem visados. Favelado não tem carro, não tem posses... Devem ficar pobres até mesmo com mais de milhões no bolso, assim diz o filme.


Os tipos a serem considerados pela indústria que se cria(va)

Tião era o líder da favela - um pai de família racional dentro dos limites analfabetos da favela do rio da década de 60. Ele era violento sim, e naquele tempo não havia o tráfico de drogas. Resumindo - o crime organizado era organizado por eles próprios, com ajuda apenas de um personagem de fora - o intelectual e chefe de todos, o chamado Grilo. Grilo podia usufruir toda a grana. Ele até encontra com Helena Ignês e acaba tendo um affair de elite com a musa. O clima da chanchada existe no filme, com interpretações bem brincalhonas como de Helena, ou com a do já evocado Cachaça. Dá pra dizer até que a estrutura do filme parece com a do vanguardista O Bandido da Luz Vermelha, que viria depois com a sacada genial de Sganzerla em satirizar todo o "thriler brasileiro".

O que não podia faltar era o alcaguete. O Miguel. Ele é pego pela polícia justamente pela causa já dita desde o início do roubo. Gastou tanto que foi visto. No fim caguetou, e deu o final ao filme que a elite brasileira queria - todos presos ou mortos.

Apesar desse happy end para alguns, nós nos indentificamos ao longo da narrativa com a família, a moral de Tião. Então, estamos diante de um drama. Ele simboliza a vida na pobreza, ainda que sob a plástica quase televisiva de Faria. Ele, como competente cineasta, sabia como narrar e não devia à ética. Mas, não só de ética moralista pode viver as narrativas. Afinal de contas o moralismo que evoca a família, a tradição, ou valores como esses nós bem sabemos onde foi dar mais tarde em 64.

Só que não se justifica por si, essa crítica feita agora. Falo isso porque se comparamos, por exemplo, O Assalto ao Trem Pagador com o já citado Cidade de Deus, considerando o anacronismo, vemos que tivemos uma regressão no processo de identificação com personagens da realidade miserável brasileira. Os tipos foram abandonados - ficamos então com os estereótipos americanizados, personagens descartáveis, sem nenhuma ligação com qualquer coisa que exista na face da terra (por acaso, o Brasil faz parte do planeta). Resumindo, cair em estereótipos vagos e fúteis dá certo em narrativas, como vimos em cidade de deus. Mas não conseguimos diferenciar Zé Pequeno de Mané Galinha, a não ser pelo nome e pela posição mecanizada do maniqueísmo do estereótipo. Em contrapartida, leitor, veja a diferença entre Tião e Cachaça e entenda o que eu estou falando.

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