
O triunfo gremista é a resistência futebolística da coletividade, do esforço que não advém da fama dos jogadores de botique, mas sim do abraço apertado em meio ao suor de um ano inteiro de sofrimento e agonia. Por isso um filme é necessário, não para mostrar as jogadas deste ou daquele jogador, mas para mostrar a camisa tricolor numa variedade de corpos, que só são êxitosos se vistos em conjunto, na sua obra construída ao passar dos dias, e não nos instantes de genialidade individual, tão efêmeros quanto à bestialidade dos astros, antes pobres, que adentram vorazes a sociedade de consumo aos olhos de um conjunto de fãs, ora invejosos, ora movidos por um culto doentio à fama.
O tempo do filme é o tempo do discurso, o tempo da narrativa. Um tempo que corre ao mostrar os jogos que levaram o Grêmio à segunda divisão e à fatídica partida contra o Naútico. Durante a Batalha dos Aflitos, o tempo se dilata e dá voz aos depoimentos de figuras como Jorge Furtado, Humberto Gessinger, Gerbase, ao jornalista "exílado" num pub europeu. Duas histórias contidas nos extras do DVD, estranhamente, ou infelizmente, não compuseram o corpo do filme, mas são da maior importância para dimensionar o filme como um documento da história futebolística do país. O médico que lê a batalha do Grêmio no prisma da dor familiar, numa ponte de rendenção da dor de não ter o irmão ao seu lado, pois falecera sem assistir àquele momento. O outro depoimento é o do torcedor que adiou a lua-de-mel para assistir ao jogo, depois da devida autorização da recém esposa, que já, tão logo, deveria se abrir às concessões de âmbito passional.

Por tudo isso, a narrativa audiovisual criada não é um evento gremista, como o torcedor mais fanático poderia se deixar iludir. As imagens são metáforas que nós conclamam a olhar para a diversidade dos sujeitos que compõem a história, seja ela do Grêmio, de outro time ou de qualquer outra situação fora do futebol. Assim como o hino da torcida corintiana "Corinthians minha vida, Corinthians minha história", estamos sempre diante de significados que extrapolam o esporte e se inscrevem de diversas formas na vida social, política e econômica.
Por mais que a mídia televisiva, e até mesmo a escrita, contribua para deslocar o futebol da esfera cultural, social e política da sociedade, não se pode dizer que esta esfera não esteja aí disfarçada em meio da sisudez das tabelas, dos números e, até mesmo, nas falcatruas e robalheiras frequentes. Resta ao olhar astuto e socializante arrancar da frieza dos resultados o calor do fenômeno cultural.
Gremistas, não se enganem. As batalhas não são exclusividade dos que vão "aonde o Grêmio estiver". Elas estão aí, acontecendo a cada jogo, e contuarão acontecendo. Resta saber o que o olhar fará delas. Os cineastas de A Batalha dos Aflitos fizeram dela um evento histórico. Há os que preferem fazer da cultura futebolística uma bolsa de valores. O jogo ainda não acabou, não podemos desistir agora. Ainda mais depois desse filme.
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