Cruelmente, ao final da fita, quando finalmente se realiza o que o espectador esperou durante toda a projeção, ficou a dúvida do motivo que me levou a ver o filme, uma vez que este, além de não ter qualquer das lindas qualidades de outrora – e não estou falando da incomunicabilidade ou da infelicidade – tinha atingido um resultado tão bonito quanto vazio. Estão lá o estilo, o mesmo apanhado visual, a mesma composição de cena, mas desta vez, aquele “algo” estranho e incompreensível que existia nos filmes do cineasta escapou como fumaça.
Ou talvez o problema seja outro! Talvez, a grande questão seja que nada escapa no filme. Tudo está marcadamente no seu devido lugar, sem arestas, sem erros, cenas bem compostas, atores competentes, mulheres extraordinariamente lindas e muitas, muitas explicações. Fita bonitinha, bem feita, com um trabalho de câmera e fotografia muito bom, diria mesmo invejável, e um apego incrível por superfícies espelhadas. A câmera está, vez por outra, enquadrando de forma inusitada o cenário, ora por meio de vitrines ao néon, ou por vidros dos freezers, às vezes mostrando imagens de câmeras de vigilância, passeando entre personagens e compotas de doces.
Novamente está lá o apego do diretor pela composição visual que resultou em maneirismos indispensáveis à composição da trama de obras como Amor à Flor da Pele. Uma comparação aqui entre as duas fitas seria desnecessária e pouco produtiva. Mas independente dela, é impossível não destacar que ao lado da bela composição visual ficou o vazio. Parece que ao se lançar nos EUA, gravando noutro país com personagens de mundos diversos ao seu, o cineasta deixou de sugerir mais e decidiu chutar o pau da barraca explicando tudo ao espectador. A incomunicabilidade de antes desapareceu em prol de uma incrível comunicação dos motivos dos personagens, os quais explicam tudo o que se passa de forma que o espectador não precisa se esforçar
Um Beijo Roubado é tão moderno e bonito quanto elegante, mas trata-se de uma elegância deslocada. A sensibilidade de Wong Kar Wai, transmigrada de hemisfério, tratou os personagens com encanto, mas não deu encanto ao filme
Nada, todavia, me surpreendeu mais do que a redenção da personagem. Nunca a infelicidade foi vencida num filme deste cineasta que tenha visto. Fiquei impressionado com essa mudança, principalmente porque foi mal conduzida. A idéia era fazer a personagem de a Liz, interpretada por Norah Jones, expurgar suas dores pelos dramas alheios. Durante todo o filme, ela encontra várias pessoas infelizes, que lhes comunicam seus motivos e tristezas, e através dessas dores, ajudando a curá-las, Liz cura a si própria e se abre para um novo amor.
O problema é que a organização da fita é episódica, mostrando os encontros da protagonista com os outros sofredores, vai lentamente deixando Liz em segundo plano, interessando-se pelas novas dores dos coadjuvantes. Sem querer, cria certo desinteresse por Liz, sempre encontrando mulheres extraordinariamente lindas como Natalie Portman e Rachel Weicz, essas mulheres que amam demais a ponto de sempre fugir do amor que as sufoca, sejam seus pais ou ex-maridos.
O cruel é que é Liz a mais interessante de todas. Ela é a única personagem que não é realmente previsível, a única de quem poderíamos esperar algum sopro de vida singular, mas o filme insiste em curá-la pela dor das outras. Assim, vamos perdendo o foco por Liz e o final da fita torna-se apenas a coroação de sua catarse falsa numa cena bonita e sensual, mas previsível.
Um Beijo Roubado fica assim a meio caminho do cinema de Wong Kar Wai: nem tanto céu e nem tanta terra, é belamente bem-feito para ser belamente vazio.
2 comentários:
Ainda tenho um baita pé atrás com este filme, moço. Talvez eu encare, numa dessas horas, sei lá... eh eh eh!
Abraço!
Engraçado, mesmo a crítica sendo negativa, fiquei curioso pra ver o filme.
Acho que o lance de apontar as mudanças do cinema de Wong Kar Wai colaboraram para despertar minha curiosidade.
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