13 de jun. de 2008

Em Cartaz: "UM BEIJO ROUBADO"

Fui ver Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights, China/França/Hong-Kong, 2008) meio sem expectativas para não me decepcionar com a aventura de Wong Kar Wai na língua e cultura norte-americana. Qual não foi minha surpresa quando duas das maiores características emocionais dos filmes deste diretor, sua celebrada impressão de incomunicabilidade, e acima de tudo, a incrível infelicidade das personagens, sumiram.

Cruelmente, ao final da fita, quando finalmente se realiza o que o espectador esperou durante toda a projeção, ficou a dúvida do motivo que me levou a ver o filme, uma vez que este, além de não ter qualquer das lindas qualidades de outrora – e não estou falando da incomunicabilidade ou da infelicidade – tinha atingido um resultado tão bonito quanto vazio. Estão lá o estilo, o mesmo apanhado visual, a mesma composição de cena, mas desta vez, aquele “algo” estranho e incompreensível que existia nos filmes do cineasta escapou como fumaça.

Ou talvez o problema seja outro! Talvez, a grande questão seja que nada escapa no filme. Tudo está marcadamente no seu devido lugar, sem arestas, sem erros, cenas bem compostas, atores competentes, mulheres extraordinariamente lindas e muitas, muitas explicações. Fita bonitinha, bem feita, com um trabalho de câmera e fotografia muito bom, diria mesmo invejável, e um apego incrível por superfícies espelhadas. A câmera está, vez por outra, enquadrando de forma inusitada o cenário, ora por meio de vitrines ao néon, ou por vidros dos freezers, às vezes mostrando imagens de câmeras de vigilância, passeando entre personagens e compotas de doces.

Novamente está lá o apego do diretor pela composição visual que resultou em maneirismos indispensáveis à composição da trama de obras como Amor à Flor da Pele. Uma comparação aqui entre as duas fitas seria desnecessária e pouco produtiva. Mas independente dela, é impossível não destacar que ao lado da bela composição visual ficou o vazio. Parece que ao se lançar nos EUA, gravando noutro país com personagens de mundos diversos ao seu, o cineasta deixou de sugerir mais e decidiu chutar o pau da barraca explicando tudo ao espectador. A incomunicabilidade de antes desapareceu em prol de uma incrível comunicação dos motivos dos personagens, os quais explicam tudo o que se passa de forma que o espectador não precisa se esforçar em nada. Os protagonistas têm outros problemas e nessa nova película as pessoas podem até não se entender, mas se comunicam uns bocados. Fiquei a pensar o por quê dessa postura. Pensaria Wai que não existe vida inteligente do lado de cá do Pacífico? Não creio. Se a desculpa era o público, errou a mão ao tomá-lo como tolo e fazer um filme que terá talvez menos aceitação do que suas outras (difíceis) obras.

Um Beijo Roubado é tão moderno e bonito quanto elegante, mas trata-se de uma elegância deslocada. A sensibilidade de Wong Kar Wai, transmigrada de hemisfério, tratou os personagens com encanto, mas não deu encanto ao filme em si. Como se seu olhar chinês estetizado, fora de seu registro cultural, tivesse perdido parte da delicada epiderme que lhe permitia perfurar o meu coração. Mesmo quando filmou na Argentina isso não ocorreu, naquele espetáculo de relacionamento infeliz com título sarcástico, Felizes Juntos. A diferença era que quando mostrava a Buenos Aires dos anos 1990, a fita era sobre personagens do mesmo mundo cultural do cineasta.

Nada, todavia, me surpreendeu mais do que a redenção da personagem. Nunca a infelicidade foi vencida num filme deste cineasta que tenha visto. Fiquei impressionado com essa mudança, principalmente porque foi mal conduzida. A idéia era fazer a personagem de a Liz, interpretada por Norah Jones, expurgar suas dores pelos dramas alheios. Durante todo o filme, ela encontra várias pessoas infelizes, que lhes comunicam seus motivos e tristezas, e através dessas dores, ajudando a curá-las, Liz cura a si própria e se abre para um novo amor.

O problema é que a organização da fita é episódica, mostrando os encontros da protagonista com os outros sofredores, vai lentamente deixando Liz em segundo plano, interessando-se pelas novas dores dos coadjuvantes. Sem querer, cria certo desinteresse por Liz, sempre encontrando mulheres extraordinariamente lindas como Natalie Portman e Rachel Weicz, essas mulheres que amam demais a ponto de sempre fugir do amor que as sufoca, sejam seus pais ou ex-maridos.

O cruel é que é Liz a mais interessante de todas. Ela é a única personagem que não é realmente previsível, a única de quem poderíamos esperar algum sopro de vida singular, mas o filme insiste em curá-la pela dor das outras. Assim, vamos perdendo o foco por Liz e o final da fita torna-se apenas a coroação de sua catarse falsa numa cena bonita e sensual, mas previsível.

Um Beijo Roubado fica assim a meio caminho do cinema de Wong Kar Wai: nem tanto céu e nem tanta terra, é belamente bem-feito para ser belamente vazio.

2 comentários:

Alessandro disse...

Ainda tenho um baita pé atrás com este filme, moço. Talvez eu encare, numa dessas horas, sei lá... eh eh eh!

Abraço!

Anônimo disse...

Engraçado, mesmo a crítica sendo negativa, fiquei curioso pra ver o filme.

Acho que o lance de apontar as mudanças do cinema de Wong Kar Wai colaboraram para despertar minha curiosidade.

 
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