18 de jun. de 2008

Maio de 68: "PARTNER"

Partner é o filme do duplo. Não por ser baseado no romance O Duplo, de Fiódor Dostoievski, mas por incorporar os acontecimentos do período das filmagens com tal devoção que a adaptação torna-se detalhe esquecido em um roteiro deixado de lado.

As filmagens ocorriam na Itália do diretor Bernardo Bertolucci. As barricadas eram levantadas na França do ator Pierre Clémenti. País no qual também se encontrava a principal referência cinematográfica do italiano: Jean-Luc Godard e seu sinônimo, a Nouvelle Vague.

O duplo de Partner era o Maio de 1968. E o francês, além de representar Jacob e seu sósia, era o profissional que chegava domingo à noite de Paris para retomar as filmagens no dia seguinte depois de passar o fim de semana em casa.

Mas o homem não resistiu aos slogans das ruas tomadas pelos estudantes e trabalhadores a manifestar seus direitos políticos. Liberdade entendida como liberdade de divergir, questionar e argumentar. A revolta era contra a alienação material, moral e estética.

O espaço público foi invadido pela criatividade. A existência foi poetizada. O cotidiano foi revolucionado. Os afetos perderam as amarras. Todo homem e toda mulher passaram a ver que suas subjetividades poderiam ser manifestadas publicamente.

Voltando à Itália, Pierre Clémenti narrava tudo a Bernardo Bertolucci. O coquetel molotov nas ruas, o protagonista ensinava a preparar um no filme. O poder estava nas ruas, os alunos da escola de teatro do protagonista ensaiavam livremente entre os carros e as pessoas. O “proibido proibir” foi pichado nas paredes das universidades, o protagonista usava o slogan.

A criatividade de Jacob se manifesta plenamente após encontrar seu sósia. Embora desde o começo de Partner o duplo exista: é a improvisação que se deixa levar pela imaginação. Originando cenas que não tem relação entre si. Acontecimentos que não são explicados.

E o espectador a estranhar tudo. Como se estivesse sendo chamado a admitir a consciência como irmã do inconsciente. Encontrar seu duplo. Divertir-se com aquilo que Bernardo Bertolucci chama de “alegria da contradição”.

Uma delas acontece na segunda cena do filme. Jacob está tomando café em um bistrô e, quando chega a noite, ele torna-se o Nosferatu. Em outra, ele brinca com sua sombra projetada na fachada do prédio e, de repente, ela continua a marchar mesmo depois de ele ter parado – ao se aproximar dela, leva chutes até ser escorraçado.

A mais divertida “alegria da contradição” ocorre com o seu sósia. Ele e o mordomo Petrushka (Sergio Tofano) vão ao encontro de Clara (Stefania Sandrelli). Enquanto ela desce a escadaria, toca uma música melodramática de Ennio Morricone. Em vez de o mordomo partir com o carro, levando todos, ele imita o barulho do motor com a boca e finge dirigir.

Apesar do enredo sem pé e cabeça, o filme é político. Para Bernardo Bertolucci, a política está na linguagem cinematográfica. Tanto é que ele encara o uso do som direto, algo incomum na filmografia italiana até então, como um ato político. Como ele diz em entrevista: “não queria confundir e chamar de político um cinema que de político só tinha a história”.

Contudo, os acontecimentos do período projetaram-se sob o filme. O Maio de 1968 pedia a imaginação no poder. E, somente depois de Jacob encontrar seu sósia, cria coragem de encenar o espetáculo O Poder à Imaginação. Encenação que Partner faz desde o início. E que, depois de 40 anos, ainda pode despertar o duplo do espectador: a imaginação. Pois, como lembra Bernardo Bertolucci, “se era justo sonhar em 1968, é muito mais justo continuar sonhando hoje”.

11 comentários:

Unknown disse...

Bom texto, Di.

rincipalmente pela atenção ao fato de que a forma fazia parte do ato político, além da trama.

Alessandro de Paula disse...

Agora eu quero achar esse filme! Eu tenho que achar esse filme!

Anônimo disse...

Santiago,

Tomei o cuidado de fazer um texto que desperte a curiosidade das pessoas pelo filme, por ser um dos menos conhecido do Bertolucci, e que não se afaste do caráter político do filme, aquilo que Bertolucci chama de "política da linguagem cinematográfica".



Alessandro,

O filme tá disponível em DVD no Brasil, pela Versátil. Os extras são ótimos, principalmente as entrevistas do diretor.

Anônimo disse...

Cara,
Esse é único filme do Bertolucci que não vi. Tendo na cabeceira da minha cama Guy Debord e lendo seu post, vejo que preciso providenciar um download imediatamente...

Alessandro de Paula disse...

Eu não achei pra download ainda, mas provavelmente haverá algo. Só não sei se espero aparecer. Talvez eu compre original... eh eh eh! Talvez...

Anônimo disse...

Tenho que locar o filme!

Zaw At Ski disse...

Tá na mira! Já avistei na estante da locadora. Mas e esse livro do Fiódor, alguém lançou aqui???

Anônimo disse...

Fábio,

Não. Pesquisei ao escrever o texto e encontrei apenas uma edição portuguesa, da Presença, na Livraria Cultura.

Hudson disse...

Belo texto e bela explanação.

Vai passar numa mostra aqui em Poa.Assim que eu assistir virei comentar por aqui.

Anônimo disse...

Não comentei antes porque queria ver o filme primeiro. E não tenho nada a dizer... Acho que não entendi “Partner”.

Pelo seu texto, não é para entender mesmo. É para deixar se levar.

Ah, cheguei aqui porque no dia em que nos falamos, você falou do blog e do filme.

Antes que você pergunte, fui atrás do livro do argentino. Prefiro comentar pessoalmente.

Beijinhos.

Ah, você foi duro com o filme “Vinicius”, hein? Eu gostei.

Anônimo disse...

Como as locadoras não deram bola para o filme, indico um link para baixá-lo:

http://setimoprojetor.blogspot.com/2008/12/partner-bernardo-bertolucci-1968.html

 
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