Durante as comemorações do centenário da imigração japonesa ao Brasil, diversos campos da cultura daquele país são ressaltados, uma ótima oportunidade para conhecermos um pouco da cultura oriental, algo pouco acessível para o prisma ocidental. Dentre essas vertentes culturais não podia ficar de fora o cinema, é claro, pois da terra do sol nascente o que não faltam são belos filmes e clássicos fundamentais para a história do cinema. São mestres como Yasujiro Ozu, Kenji Mizogushi, Hiroshi Inagaki, Kaneto Shindô, Masaki Kobayashi, Shohei Imamura e, é claro, o cineasta japonês mais conhecido no ocidente, Akira Kurosawa.
Autor de uma obra composta por 28 filmes, dezenas de roteiros, premiado em Veneza, Cannes e Berlim, uma vida dedicada ao cinema, Akira Kurosawa foi um dos maiores cineastas de todos os tempos. Por meio de um cinema autoral e esteticamente belo, foi referência para uma gama de grandes diretores cinematográficos das mais variadas nacionalidades. Quando criança, sonhava em ser pintor, arte que sempre continuou praticando e notada com frequência em muitos de seus filmes, mas seu contato com o a sétima arte começou cedo. Um de seus irmãos trabalhava no cinema como Benshi – em japonês, a denominação profissional dos narradores para filmes mudos. A partir desse contato, Kurosawa conheceu o cinema em seus primórdios, por meio de nomes como George Mèliés, David Griffith, passando pelos movimentos de vanguarda como o Expressionismo Alemão, o Construtivismo Russo, onde conheceu os filmes de F.W. Murnau, Fritz Lang, Dziga Vertov, Sergei Eisenstein entre outros.
Encantado pelos filmes que assistia onde seu irmão trabalhava, sua paixão pelo cinema começou a ganhar forma, começou a apreciar o cinema de Hollywood, onde conheceu os filmes de Buster Keaton, Chaplin, Howard Hawks e o cineasta que viria a ser seu ídolo no cinema: John Ford. Além da pintura e do cinema, a literatura foi outra paixão do cineasta – prova disso foram suas adaptações para o cinema de obras literárias ocidentais como O Idiota (1951), de Dostoievski; Trono Manchado de Sangue (1957), adaptação da peça “Macbeth”, de Shakespeare, ao violento Japão Medieval permeado por disputa de terras; e Ralé (1957), baseado na obra de Gorki. Shakespeare voltaria a aparecer na filmografia do diretor, tendo sua obra “Rei Lear” sendo adaptada em Ran (1985).
Devido a essa “ocidentalização” do cineasta, Kurosawa sofreu preconceito e críticas por divulgar a cultura de seu país utilizando obras literárias ocidentais. Contudo, foi com a premiação de Rashomon (1950) com o Leão de Ouro no Festival de Veneza que as portas do cinema oriental foram abertas ao ocidente, após o período da Segunda Guerra Mundial, na qual se pode conhecer a beleza e as qualidades do cinema japonês por intermédio das obras dos cineastas citados anteriormente. Consolidou sua carreira com o épico Os Sete Samurais (1954), obra-prima do gênero de filmes de samurai, influenciando diversos cineastas norte-americanos e europeus. Dentre os influenciados, destacam-se ícones de Hollywood como Francis Ford Coppola, George Lucas (que o ajudaram a produzir e concluir o épico Kagemusha - A Sombra do Samurai, de 1980, laureado com a Palma de Ouro em Cannes). Martin Scorsese e Steven Spielberg foram outros cineastas inspirados pela obra de Akira. Inclusive viriam a produzir, ao lado de Coppola, um dos últimos trabalhos de sua filmografia, o belo Sonhos (1990), onde a paixão pela pintura é externada de forma veemente no filme.
Mas a maior prova da competência e genialidade de seus trabalhos é que Kurosawa também serviu de inspiração para George Lucas construir sua saga de ficção científica Guerra nas Estrelas, tendo como base o filme A Fortaleza Escondida (1959), também ambientado ao Japão feudal. O mestre do Western Spaghetti, o italiano Sergio Leone, a partir das obras de Kurosawa, Yojimbo - O Guarda-Costas (1961) e Sanjuro (1962), realizou a Trilogia dos Dólares: Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e finalizando com Três Homens em Conflito (1966), todos estrelados por Clint Eastwood.
Um dos maiores fatores de sucesso de sua carreira, além da sua natural genialidade como autor, foi a parceria com os atores Takashi Shimura, com quem mais realizou filmes, e Toshiro Mifune, seu ator predileto e por muitas vezes representando seu alter ego. Mifune, de origem chinesa, compôs com AK uma das mais bem sucedidas parcerias da história do cinema. Para muitos de nós ocidentais, Toshiro é a maior representação de samurai. Contudo, a brilhante parceria teve fim durante as filmagens de O Barba Ruiva (1965), quando o ator se desentendeu com o diretor, que exigiu que Mifune cultivasse sua barba para interpretar o papel de um médico dono de uma clínica no filme. Por essa exigência, Toshiro Mifune estava perdendo papéis que lhe eram oferecidos por outros diretores. Após a conclusão do filme, os dois não voltariam a trabalhar juntos novamente.
A versatilidade de Kurosawa foi tão eficiente que muitos confundem sua obra pelas retratações incessantes do Japão feudal, mais especificamente nos séculos XV e XVI, época em que o país estava com as portas fechadas para o Ocidente e poderosos clãs guerreavam entre si em disputas intermináveis. O que havia de mais precioso eram o código de honra e a ética dos samurais. Suas fitas também foram ambientadas no cenário urbano, como Dodeskaden (1970), seu primeiro filme colorido, que, por sinal, a partir de seu fracasso comercial no Japão, junto com a produção norte-americana Tora!Tora!Tora! (1969), sobre o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, cujas seqüências japonesas foram realizadas por Akira, o cineasta, em um ato de desespero, tentou suicídio. Felizmente falhou. Recuperou-se e voltou a filmar com uma produção da antiga URSS, uma de suas mais belas obras: Dersu Uzala (1975), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, onde uma das principais características de seu cinema, as relações humanas e a natureza andam conjuntas. Compondo com a bela fotografia, resultaram em um retorno triunfal, acrescentando à cinematografia um lindo filme.
Relações humanas que ficaram evidenciadas desde Rashomon, onde a moral e a ética foram discutidas, até seu último longa-metragem, Madadayo (1993), filme no qual o diretor aborda a questão da velhice, do respeito e valorização do mestre pela cultura oriental. Embora não tivesse nenhuma relação direta com o Brasil, seu trabalho também foi referência para o cineasta Nelson Pereira dos Santos no filme Boca de Ouro (1962), no qual a narrativa não-linear de Rashomon é claramente percebida.
E qual é a relação do cinema de Akira Kurosawa com os 100 anos de imigração japonesa ao Brasil? Fatualmente nenhuma, talvez. Porém, total nas vertentes culturais, pois através de sua obra podemos conhecer um pouco mais de uma das culturas mais fascinantes da civilização. Kurosawa retratou com maestria para nós ocidentais, através de sua arte, as diferenças e semelhanças de culturas distintas, pois como um humanista e visionário, o cinema foi uma ferramenta para expressar as relações homem e natureza, na qual dialoga com as agruras causadas pelo homem e pelo meio que o permeia, constituindo um sonho, ou melhor, sonhos que se realizaram por meio do conjunto de sua obra.
Autor de uma obra composta por 28 filmes, dezenas de roteiros, premiado em Veneza, Cannes e Berlim, uma vida dedicada ao cinema, Akira Kurosawa foi um dos maiores cineastas de todos os tempos. Por meio de um cinema autoral e esteticamente belo, foi referência para uma gama de grandes diretores cinematográficos das mais variadas nacionalidades. Quando criança, sonhava em ser pintor, arte que sempre continuou praticando e notada com frequência em muitos de seus filmes, mas seu contato com o a sétima arte começou cedo. Um de seus irmãos trabalhava no cinema como Benshi – em japonês, a denominação profissional dos narradores para filmes mudos. A partir desse contato, Kurosawa conheceu o cinema em seus primórdios, por meio de nomes como George Mèliés, David Griffith, passando pelos movimentos de vanguarda como o Expressionismo Alemão, o Construtivismo Russo, onde conheceu os filmes de F.W. Murnau, Fritz Lang, Dziga Vertov, Sergei Eisenstein entre outros.
Encantado pelos filmes que assistia onde seu irmão trabalhava, sua paixão pelo cinema começou a ganhar forma, começou a apreciar o cinema de Hollywood, onde conheceu os filmes de Buster Keaton, Chaplin, Howard Hawks e o cineasta que viria a ser seu ídolo no cinema: John Ford. Além da pintura e do cinema, a literatura foi outra paixão do cineasta – prova disso foram suas adaptações para o cinema de obras literárias ocidentais como O Idiota (1951), de Dostoievski; Trono Manchado de Sangue (1957), adaptação da peça “Macbeth”, de Shakespeare, ao violento Japão Medieval permeado por disputa de terras; e Ralé (1957), baseado na obra de Gorki. Shakespeare voltaria a aparecer na filmografia do diretor, tendo sua obra “Rei Lear” sendo adaptada em Ran (1985).
Devido a essa “ocidentalização” do cineasta, Kurosawa sofreu preconceito e críticas por divulgar a cultura de seu país utilizando obras literárias ocidentais. Contudo, foi com a premiação de Rashomon (1950) com o Leão de Ouro no Festival de Veneza que as portas do cinema oriental foram abertas ao ocidente, após o período da Segunda Guerra Mundial, na qual se pode conhecer a beleza e as qualidades do cinema japonês por intermédio das obras dos cineastas citados anteriormente. Consolidou sua carreira com o épico Os Sete Samurais (1954), obra-prima do gênero de filmes de samurai, influenciando diversos cineastas norte-americanos e europeus. Dentre os influenciados, destacam-se ícones de Hollywood como Francis Ford Coppola, George Lucas (que o ajudaram a produzir e concluir o épico Kagemusha - A Sombra do Samurai, de 1980, laureado com a Palma de Ouro em Cannes). Martin Scorsese e Steven Spielberg foram outros cineastas inspirados pela obra de Akira. Inclusive viriam a produzir, ao lado de Coppola, um dos últimos trabalhos de sua filmografia, o belo Sonhos (1990), onde a paixão pela pintura é externada de forma veemente no filme.
Mas a maior prova da competência e genialidade de seus trabalhos é que Kurosawa também serviu de inspiração para George Lucas construir sua saga de ficção científica Guerra nas Estrelas, tendo como base o filme A Fortaleza Escondida (1959), também ambientado ao Japão feudal. O mestre do Western Spaghetti, o italiano Sergio Leone, a partir das obras de Kurosawa, Yojimbo - O Guarda-Costas (1961) e Sanjuro (1962), realizou a Trilogia dos Dólares: Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e finalizando com Três Homens em Conflito (1966), todos estrelados por Clint Eastwood.
Um dos maiores fatores de sucesso de sua carreira, além da sua natural genialidade como autor, foi a parceria com os atores Takashi Shimura, com quem mais realizou filmes, e Toshiro Mifune, seu ator predileto e por muitas vezes representando seu alter ego. Mifune, de origem chinesa, compôs com AK uma das mais bem sucedidas parcerias da história do cinema. Para muitos de nós ocidentais, Toshiro é a maior representação de samurai. Contudo, a brilhante parceria teve fim durante as filmagens de O Barba Ruiva (1965), quando o ator se desentendeu com o diretor, que exigiu que Mifune cultivasse sua barba para interpretar o papel de um médico dono de uma clínica no filme. Por essa exigência, Toshiro Mifune estava perdendo papéis que lhe eram oferecidos por outros diretores. Após a conclusão do filme, os dois não voltariam a trabalhar juntos novamente.
A versatilidade de Kurosawa foi tão eficiente que muitos confundem sua obra pelas retratações incessantes do Japão feudal, mais especificamente nos séculos XV e XVI, época em que o país estava com as portas fechadas para o Ocidente e poderosos clãs guerreavam entre si em disputas intermináveis. O que havia de mais precioso eram o código de honra e a ética dos samurais. Suas fitas também foram ambientadas no cenário urbano, como Dodeskaden (1970), seu primeiro filme colorido, que, por sinal, a partir de seu fracasso comercial no Japão, junto com a produção norte-americana Tora!Tora!Tora! (1969), sobre o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, cujas seqüências japonesas foram realizadas por Akira, o cineasta, em um ato de desespero, tentou suicídio. Felizmente falhou. Recuperou-se e voltou a filmar com uma produção da antiga URSS, uma de suas mais belas obras: Dersu Uzala (1975), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, onde uma das principais características de seu cinema, as relações humanas e a natureza andam conjuntas. Compondo com a bela fotografia, resultaram em um retorno triunfal, acrescentando à cinematografia um lindo filme.
Relações humanas que ficaram evidenciadas desde Rashomon, onde a moral e a ética foram discutidas, até seu último longa-metragem, Madadayo (1993), filme no qual o diretor aborda a questão da velhice, do respeito e valorização do mestre pela cultura oriental. Embora não tivesse nenhuma relação direta com o Brasil, seu trabalho também foi referência para o cineasta Nelson Pereira dos Santos no filme Boca de Ouro (1962), no qual a narrativa não-linear de Rashomon é claramente percebida.
E qual é a relação do cinema de Akira Kurosawa com os 100 anos de imigração japonesa ao Brasil? Fatualmente nenhuma, talvez. Porém, total nas vertentes culturais, pois através de sua obra podemos conhecer um pouco mais de uma das culturas mais fascinantes da civilização. Kurosawa retratou com maestria para nós ocidentais, através de sua arte, as diferenças e semelhanças de culturas distintas, pois como um humanista e visionário, o cinema foi uma ferramenta para expressar as relações homem e natureza, na qual dialoga com as agruras causadas pelo homem e pelo meio que o permeia, constituindo um sonho, ou melhor, sonhos que se realizaram por meio do conjunto de sua obra.
3 comentários:
Ah, nada como falar de um dos grandes... Hud, tá de parabéns! :D
A paixão de Kurosawa pela pintura refletiu em sua obra na forma de um preciosismo estético ímpar. Como o Hudson bem lembrou, no filme "Sonhos" há uma passagem belíssima em que um personagem passeia pelas inúmeras paisagens pintadas pelo mestre do expressionismo, Vincent van Gogh. Kurosawa recriou e deu vida às telas mais célebres do pintor holandês.
Parabéns, Hudson! O texto está ótimo.
Kurosawa morreu há dez anos. Cabalisticamente, tem tudo a ver com os 100 anos da imigração japonesa. He he he!
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