Há quem fale numa nouvelle vague japonesa, empreendida por cineastas conhecidos como Nagisa Oshima e Shohei Imamura, e outros nem tão conhecidos, como Yasuzo Masumura, Masahiro Shinoda, Yoshishige Yoshida e Susumu Hani. Embora a famosa nouvelle vague da França tenha se tornado um exemplo de cinema transgressor, ela não foi a única expressão inovadora de sua época. Em meados dos anos 1950 e início dos 1960, pipocaram novas vagas no mundo inteiro, dentre as quais podemos lembrar o free cinema britânico, os novos cinemas da Polônia, Iugoslávia, o cinema novo brasileiro e o novo cinema indiano, entre outros. O Japão também conheceu sua versão dessas ondas, a nuberu bagu (nouvelle vague), mas lá foi sensivelmente diferente do resto do mundo.
A primeira impressão do termo pode sugerir que a produção de Godard e companhia influenciou os nipônicos. Entre muitas das semelhanças das “novas ondas”, estava um espírito de resgate da identidade nacional, de rebelião contra os parâmetros estabelecidos, de liberalização dos costumes, uma busca pelo autêntico, pela verdade e realidade de cada localidade. Os japoneses estavam tão marcados por estas questões quanto franceses ou brasileiros, mas enquanto estes desenvolviam um modelo de realização independente na produção e na estética, rebelando-se contra a produção dos estúdios, os japoneses começaram sua “revolução” dentro dos estúdios que dominavam seu cinema.
Assim como nos EUA, desde muito cedo, no Japão, se formou um número grande de estúdios que dominaram o mercado de produção no cinema. Cinco deles formaram um sólido grupo: Nikkatsu, Shochiku, Toho, Daiei e Toei. Diferente dos norte-americanos, todavia, a produção desses estúdios era voltada ao mercado interno, contava com menor capital e era marcada por grande austeridade econômica. Havia uma rígida hierarquia na qual, para alguém tornar-se diretor, deveria vir das ocupações mais baixas, investindo sua vida para, no futuro, atingir tal ocupação. Tais estúdios se especializaram em gêneros específicos à cultura japonesa: dramas de época, dramas contemporâneos, dramas sobre a pobreza, máfia japonesa, histórias de família, filmes eróticos, etc.
Todavia, houve grandes transformações após a derrota militar do Japão na segunda guerra mundial. A ocupação americana e processo de “democratização” que se seguiu foram marcados pela invasão dos valores ianques, do jazz, do rock, da cultura de consumo, liberação sexual, etc. Foi nesta época que Shintaro Ishihara publicou A Estação do Sol (Taiyo no Kisetsu, 1955), que impulsionou o surgimento de jovens da chamada taijozoku, a “geração do sol”. O estúdio Nikkatsu adaptou dois livros de Ishihara, entre os quais, A Estação do Sol, dirigido por Takumi Furukawa, e Paixão Juvenil (Kurutta Kajitsu), dirigido por Ko Nakahira, considerado o precursor da nouvella vague japonesa, em 1956. Por esta época, os estúdios começaram a promover uma nova geração de cineastas para poderem se renovar, uma vez que empreendiam uma nova estratégia comercial. Foi assim que Shohei Imamura, Seijun Suzuki, Nagisa Oshima, Yasuzo Masumura, Masahiro Shinoda, Yoshishige Yoshida, Susumu Hani, entre tantos, foram promovidos a diretores na Nikkatsu e Shochiku e mudaram a face do cinema japonês.
Importante frisar que, diferente dos colegas franceses, que queriam desesperadamente trabalhar com cinema, lançando-se primeiro numa empreitada crítica e depois de realização, Oshima, Imamura e companhia foram trabalhar com cinema porque precisavam sobreviver e não porque tivessem algum ideal romântico. Todavia, seu momento histórico era propício para as alterações que iriam construir. O avanço da cultura americana no Japão começava a se tornar uma evidência incômoda. Cineastas, escritores, filmes e romances começaram a refletir sobre este quadro e foi justamente dentro da produção dos estúdios que se iniciou uma ferrenha crítica reflexiva sobre os rumos que o povo e valores japoneses estavam tomando. De certa forma, como coloca Lúcia Nagib, a chamada nouvelle vague japonesa refletia menos o clima revolucionário internacional que se cultivava entre gerações mais jovens do ocidente e mais as circunstâncias das mudanças particulares de um Japão recém saído de uma guerra e sujeito a todo um processo de ocidentalização desenfreada.
Em 1960, foi usado pela primeira vez que o termo nouvelle vague japonesa. Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), de François Truffault, e Acossado (À Bout de Souffle, 1960), de Jean-Luc Godard, foram distribuídos nos Japão e, junto com eles, passava no cinema Conto Cruel da Juventude (Seishun Zankoku Monogatari), dirigido por Nagisa Oshima. Críticos de cinema usaram o slogan francês, então na ordem do dia, para denominar o novo filme de Oshima. O radical diretor abertamente criticava a americanização e a chamada “geração do sol”. Em 1960, lançou três filmes pela Shochiku que caíram como uma bomba no campo cinematográfico japonês: o já citado Conto Cruel da Juventude, no qual jovens que querem apregoar a liberdade de costumes acabam se juntando a gangsters e a viver do crime; Túmulo do Sol (Taiyo no Hakaba), rodado num bairro pobre de Osaka, cujo ápice é o assassinato de um colegial sob o pôr-do-sol no meio das ruínas de prédios bombardeados; e Noite e Névoa do Japão (Nihon no Yoru to Kiri), filme com conteúdo político e esteticamente ousado que foi retirado dos cinemas pelo estúdios após 3 dias de exibição, o que causou a revolta de Oshima, que se demitiu da empresa, causando um escândalo no Japão.
A trajetória de Oshima foi a mais radical, mas no geral, um a um, os cineastas inovadores que começaram a construir novas experiências nos estúdios se desentenderam com seus estúdios e começaram lentamente a buscar caminhos independentes. Alguns poucos continuaram trabalhando nos estúdios até suas falências, pois o momento da nouvelle vague japonesa não foi o começo do cinema independente no Japão, mas o final da era dos estúdios que entraram em decadência desde meados dos anos 1950 e que promoveram novos diretores na tentativa de se revitalizar.
Embora Oshima, no decorrer dos anos 1960, ampliasse seu diálogo com as produções francesas, o único que teve contato amplo com esta foi Yoshishige Yoshida, companheiro de estúdio de Oshima. Seu mais famoso filme do princípio dos anos 1960 foi As Termas de Akitsu (Akitsu Onsen, 1962), sem qualquer violência típica aos filmes de Oshima ou da americanização da “geração do sol”. Todavia seu ataque ao Japão era metaforizado pela estória de uma moça que espera incessantemente um jovem que lhe prometera amor antes de ir para a guerra e que vive isolada, à sua espera, vendo apenas fantasmas da história que ocorre fora de sua casa, enquanto o jovem a atormenta, mas jamais se decide por ela. Seu amor é uma impossibilidade.
Já Shohei Imamura trabalhou na Nikkatsu a partir de 1954, onde foi lentamente aperfeiçoando seu “cinema-verdade”, uma forma de cinema crua e naturalista, fugindo aos padrões japoneses de representação das cenas. Seus filmes desta época introduzem conceitos básicos à sua filmografia: homens com instintos animalescos e mulheres vítimas dessa animalidade, mas profundamente ligadas à natureza, como se verifica no filme A Mulher-Inseto/Tratado Entomológico do Japão (Nippon Konchuki, 1963), no qual uma mulher sofre todo tipo de humilhação, torna-se prostituta, assume o controle de um bordel e passa a se vingar com os mesmos atos que antes sofrera.
Imamura, Yoshida, Oshima e tantos outros renovaram o cinema japonês ao confrontar sua realidade social com o cinema num momento histórico de falência da produção dos estúdios. A sociedade japonesa ocidentalizada pagava um alto preço que os cineastas faziam questão de denunciar desafiando os cânones estabelecidos por cineastas como Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi, expoentes dos velhos estúdios. A nova geração usou o ocaso de uma forma de produção para lançar um cinema independente que influenciou o mundo todo.
A primeira impressão do termo pode sugerir que a produção de Godard e companhia influenciou os nipônicos. Entre muitas das semelhanças das “novas ondas”, estava um espírito de resgate da identidade nacional, de rebelião contra os parâmetros estabelecidos, de liberalização dos costumes, uma busca pelo autêntico, pela verdade e realidade de cada localidade. Os japoneses estavam tão marcados por estas questões quanto franceses ou brasileiros, mas enquanto estes desenvolviam um modelo de realização independente na produção e na estética, rebelando-se contra a produção dos estúdios, os japoneses começaram sua “revolução” dentro dos estúdios que dominavam seu cinema.
Assim como nos EUA, desde muito cedo, no Japão, se formou um número grande de estúdios que dominaram o mercado de produção no cinema. Cinco deles formaram um sólido grupo: Nikkatsu, Shochiku, Toho, Daiei e Toei. Diferente dos norte-americanos, todavia, a produção desses estúdios era voltada ao mercado interno, contava com menor capital e era marcada por grande austeridade econômica. Havia uma rígida hierarquia na qual, para alguém tornar-se diretor, deveria vir das ocupações mais baixas, investindo sua vida para, no futuro, atingir tal ocupação. Tais estúdios se especializaram em gêneros específicos à cultura japonesa: dramas de época, dramas contemporâneos, dramas sobre a pobreza, máfia japonesa, histórias de família, filmes eróticos, etc.
Todavia, houve grandes transformações após a derrota militar do Japão na segunda guerra mundial. A ocupação americana e processo de “democratização” que se seguiu foram marcados pela invasão dos valores ianques, do jazz, do rock, da cultura de consumo, liberação sexual, etc. Foi nesta época que Shintaro Ishihara publicou A Estação do Sol (Taiyo no Kisetsu, 1955), que impulsionou o surgimento de jovens da chamada taijozoku, a “geração do sol”. O estúdio Nikkatsu adaptou dois livros de Ishihara, entre os quais, A Estação do Sol, dirigido por Takumi Furukawa, e Paixão Juvenil (Kurutta Kajitsu), dirigido por Ko Nakahira, considerado o precursor da nouvella vague japonesa, em 1956. Por esta época, os estúdios começaram a promover uma nova geração de cineastas para poderem se renovar, uma vez que empreendiam uma nova estratégia comercial. Foi assim que Shohei Imamura, Seijun Suzuki, Nagisa Oshima, Yasuzo Masumura, Masahiro Shinoda, Yoshishige Yoshida, Susumu Hani, entre tantos, foram promovidos a diretores na Nikkatsu e Shochiku e mudaram a face do cinema japonês.
Importante frisar que, diferente dos colegas franceses, que queriam desesperadamente trabalhar com cinema, lançando-se primeiro numa empreitada crítica e depois de realização, Oshima, Imamura e companhia foram trabalhar com cinema porque precisavam sobreviver e não porque tivessem algum ideal romântico. Todavia, seu momento histórico era propício para as alterações que iriam construir. O avanço da cultura americana no Japão começava a se tornar uma evidência incômoda. Cineastas, escritores, filmes e romances começaram a refletir sobre este quadro e foi justamente dentro da produção dos estúdios que se iniciou uma ferrenha crítica reflexiva sobre os rumos que o povo e valores japoneses estavam tomando. De certa forma, como coloca Lúcia Nagib, a chamada nouvelle vague japonesa refletia menos o clima revolucionário internacional que se cultivava entre gerações mais jovens do ocidente e mais as circunstâncias das mudanças particulares de um Japão recém saído de uma guerra e sujeito a todo um processo de ocidentalização desenfreada.
Em 1960, foi usado pela primeira vez que o termo nouvelle vague japonesa. Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), de François Truffault, e Acossado (À Bout de Souffle, 1960), de Jean-Luc Godard, foram distribuídos nos Japão e, junto com eles, passava no cinema Conto Cruel da Juventude (Seishun Zankoku Monogatari), dirigido por Nagisa Oshima. Críticos de cinema usaram o slogan francês, então na ordem do dia, para denominar o novo filme de Oshima. O radical diretor abertamente criticava a americanização e a chamada “geração do sol”. Em 1960, lançou três filmes pela Shochiku que caíram como uma bomba no campo cinematográfico japonês: o já citado Conto Cruel da Juventude, no qual jovens que querem apregoar a liberdade de costumes acabam se juntando a gangsters e a viver do crime; Túmulo do Sol (Taiyo no Hakaba), rodado num bairro pobre de Osaka, cujo ápice é o assassinato de um colegial sob o pôr-do-sol no meio das ruínas de prédios bombardeados; e Noite e Névoa do Japão (Nihon no Yoru to Kiri), filme com conteúdo político e esteticamente ousado que foi retirado dos cinemas pelo estúdios após 3 dias de exibição, o que causou a revolta de Oshima, que se demitiu da empresa, causando um escândalo no Japão.
A trajetória de Oshima foi a mais radical, mas no geral, um a um, os cineastas inovadores que começaram a construir novas experiências nos estúdios se desentenderam com seus estúdios e começaram lentamente a buscar caminhos independentes. Alguns poucos continuaram trabalhando nos estúdios até suas falências, pois o momento da nouvelle vague japonesa não foi o começo do cinema independente no Japão, mas o final da era dos estúdios que entraram em decadência desde meados dos anos 1950 e que promoveram novos diretores na tentativa de se revitalizar.
Embora Oshima, no decorrer dos anos 1960, ampliasse seu diálogo com as produções francesas, o único que teve contato amplo com esta foi Yoshishige Yoshida, companheiro de estúdio de Oshima. Seu mais famoso filme do princípio dos anos 1960 foi As Termas de Akitsu (Akitsu Onsen, 1962), sem qualquer violência típica aos filmes de Oshima ou da americanização da “geração do sol”. Todavia seu ataque ao Japão era metaforizado pela estória de uma moça que espera incessantemente um jovem que lhe prometera amor antes de ir para a guerra e que vive isolada, à sua espera, vendo apenas fantasmas da história que ocorre fora de sua casa, enquanto o jovem a atormenta, mas jamais se decide por ela. Seu amor é uma impossibilidade.
Já Shohei Imamura trabalhou na Nikkatsu a partir de 1954, onde foi lentamente aperfeiçoando seu “cinema-verdade”, uma forma de cinema crua e naturalista, fugindo aos padrões japoneses de representação das cenas. Seus filmes desta época introduzem conceitos básicos à sua filmografia: homens com instintos animalescos e mulheres vítimas dessa animalidade, mas profundamente ligadas à natureza, como se verifica no filme A Mulher-Inseto/Tratado Entomológico do Japão (Nippon Konchuki, 1963), no qual uma mulher sofre todo tipo de humilhação, torna-se prostituta, assume o controle de um bordel e passa a se vingar com os mesmos atos que antes sofrera.
Imamura, Yoshida, Oshima e tantos outros renovaram o cinema japonês ao confrontar sua realidade social com o cinema num momento histórico de falência da produção dos estúdios. A sociedade japonesa ocidentalizada pagava um alto preço que os cineastas faziam questão de denunciar desafiando os cânones estabelecidos por cineastas como Yasujiro Ozu ou Kenji Mizoguchi, expoentes dos velhos estúdios. A nova geração usou o ocaso de uma forma de produção para lançar um cinema independente que influenciou o mundo todo.
2 comentários:
Já disse na ocasião de uma primeira leitura, ao senhor Santiago, que o texto dele está muito bom. Repito aqui: o texto está primoroso.
Eu já pretendia citar Conto Cruel da Juventude num post futuro. Sim, o filme aparecerá, com um enfoque um pouco diferente. Vejamos o que acontece! Eh eh eh!
O texto tá legal.
E a crítica de valores não só tomou o cinema como tomou a literatura.
Mishima, que mereceu um cinebiografia de Paul Schrader, mais conhecido pelo roteiro de "Taxi driver", cometeu o harakiri quando notou que seu discurso não afetou os soldados do quartel invadido por ele.
Mas o texto é sobre cinema, e deixa bem claro o contexto japonês em torno da tal nouvelle vague japonesa. Sem esquecer, claro, o contexto global.
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