Cahiers: Como se escreve um roteiro como o de Les Favoris de la Lune?
Otar Iosseliani: Parto sempre de uma frase. Para Pastoral, era: “As pessoas se cruzam e se separam para não se reverem jamais.” Para este filme, em mudança, a frase era “vaidade de vaidades” e “quanto mais tenta a pessoa ter algo no mundo material, e se apropria de mais coisas, mais solitário fica”. Quanto mais enchem o esvaziamento que há em torno deles, mais sós estão. Trata-se sempre de questões que são sérias para mim, mas não tão sérias como para não poder fazer uma história com elas, como para não poder caçoar; ao caçoar se pode tocar o tema sem ser tedioso. Estas questões estão presentes desde sempre, mas em cada filme se encarnam concretamente em nosso tempo. Para a idéia da vaidade “de vaidades” não podia me concentrar num ou dois personagens, tinha necessidade de uma multidão de personagens que se cruzassem. A outra idéia é a seguinte: quando alguém toma algo, se se pudesse remontar a corrente, se veria que na outra ponta da corrente há alguém que perdeu a tomada. Sem que tenha uma causalidade direta. Alguém pode pensar que está só, isolado de tudo, mas imagina-se essa corrente de ações que faz que se tenha apropriado de algo, ao cabo sempre há alguém que a perdeu. O que resulta curioso é fazê-los cruzar-se. Segue-se ao primeiro, logo este cruza ao segundo, abandona-se ao primeiro e se segue ao segundo, e assim até que se fecha o círculo. Este esquema é fácil de delinear, mas escrevê-lo é trágico: Quem? Como é? Como se chama?
C: Em Les Favoris de la Lune, os planos foram desenhados de antemão, mas o filme dá a impressão contrária, a de uma espécie de vivacidade da imagem, que é o contrário do cinema de story-board... Sente-se uma grande frescura.
OI: Formalmente eu prossigo com meu projeto, que gira em torno do plano-sequência. Considero que o plano é a célula básica. Importa pouco que um plano seja curto ou longo, em todos passa algo. Por exemplo, o jantar que se desenvolve com Pascal Aubier, na que ele faz o papel do dono de casa, se recordam? Quando se levanta da mesa para jogar a seu pai. Eu rodo esta cena com a idéia de que terá uma, duas ou três ações durante o jantar. O avô entra, Pascal interrompe sua conversa idiota, despacha seu pai, a esposa na mesa finca com um garfo, e, por outra parte, a louça se rompe porque os garotos se levam por diante ao criado. Essas três ações podem ocorrer inesperadamente ou separadamente, mas a sequência foi rodada quase num plano; rodo-a três ou quatro vezes, modificando-a cada vez. Dou aos atores a possibilidade de falar mais, faço entrar o avô no meio, ou mais tarde, e cada tomada não é o dobro idêntico das outras, também a duração se modifica. Tudo isto me permite eleger na montagem o plano definitivo. O story-board toma vida, também, porque tento criar uma família de personagens. Os atores não são descritos pela ação, ou por sua psicologia interior, senão que levam um “selo” que podemos reconhecer: se é um burguês, deve em seguida ser reconhecido como tal; se é um ladrão, deve atrair-nos pela vida secreta e intensa que leva. É bem como não tenho necessidade de apoiar-me no ofício “atoral” tal como se o concebe hoje. Não obrigo meus atores a fazer coisas impossíveis, coisas que um mortal não possa fazer. Fazem o que estão acostumados a fazer, se é um camponês, trabalha, arrota, come, se arranja...
C: Como o senhor arma o plano-sequência?
OI: Ao utilizar o plano-sequência, tentativa que não se note o movimento da câmara: esta enfoca, por exemplo, alguém que caminha no meio do plano, desloca-se, cruza-se com outro personagem, fico com este segundo personagem, o outro sai de campo, eu vou com o segundo que cruza a rua, que vai falar com uma puta, sigo-o, caminham, entram no edifício e sobem as escadas. Assim, não se nota o movimento da câmara porque o movimento jamais se realiza no vazio.
C: Esse é o esquema do filme em seu conjunto...
OI: É a célula orgânica do filme. Mas não é algo calculado, nem fruto de uma reflexão, simplesmente me agrada que ocorra assim. Ainda se à noite estou completamente bêbado, isso me permite ir à rodagem à manhã seguinte, sacar a folha e não pensar: sei onde por a câmara, conheço os movimentos dos personagens, as coisas terminam ocupando sós seu lugar. E depois se pode descansar [risos].
C: Se pode falar, a propósito de Les favoris de la Lune, de uma estrutura com forma de partitura musical? O senhor tem uma formação musical?
OI: Sim, e também uma formação matemática, mas tudo isso passou ao inconsciente. Fica o algoritmo, o método de pensamento, mas jamais manipulo categorias musicais ou matemáticas. Pode ser que em meu subconsciente conserve a memória do contraponto, a forma de três partes, a do rondó, que me permite manter em pé um tema que ameaça cair. Quando repetes o mesmo tema depois de um instante, o espectador tropeça com o esqueleto, a estrutura da história, algo que lhe permite não se perder. Pode ser um pouco formalista, mas não o faço propositalmente: não é a forma “sonata” seguida minuciosamente.
Otar Iosseliani: Parto sempre de uma frase. Para Pastoral, era: “As pessoas se cruzam e se separam para não se reverem jamais.” Para este filme, em mudança, a frase era “vaidade de vaidades” e “quanto mais tenta a pessoa ter algo no mundo material, e se apropria de mais coisas, mais solitário fica”. Quanto mais enchem o esvaziamento que há em torno deles, mais sós estão. Trata-se sempre de questões que são sérias para mim, mas não tão sérias como para não poder fazer uma história com elas, como para não poder caçoar; ao caçoar se pode tocar o tema sem ser tedioso. Estas questões estão presentes desde sempre, mas em cada filme se encarnam concretamente em nosso tempo. Para a idéia da vaidade “de vaidades” não podia me concentrar num ou dois personagens, tinha necessidade de uma multidão de personagens que se cruzassem. A outra idéia é a seguinte: quando alguém toma algo, se se pudesse remontar a corrente, se veria que na outra ponta da corrente há alguém que perdeu a tomada. Sem que tenha uma causalidade direta. Alguém pode pensar que está só, isolado de tudo, mas imagina-se essa corrente de ações que faz que se tenha apropriado de algo, ao cabo sempre há alguém que a perdeu. O que resulta curioso é fazê-los cruzar-se. Segue-se ao primeiro, logo este cruza ao segundo, abandona-se ao primeiro e se segue ao segundo, e assim até que se fecha o círculo. Este esquema é fácil de delinear, mas escrevê-lo é trágico: Quem? Como é? Como se chama?
C: Em Les Favoris de la Lune, os planos foram desenhados de antemão, mas o filme dá a impressão contrária, a de uma espécie de vivacidade da imagem, que é o contrário do cinema de story-board... Sente-se uma grande frescura.
OI: Formalmente eu prossigo com meu projeto, que gira em torno do plano-sequência. Considero que o plano é a célula básica. Importa pouco que um plano seja curto ou longo, em todos passa algo. Por exemplo, o jantar que se desenvolve com Pascal Aubier, na que ele faz o papel do dono de casa, se recordam? Quando se levanta da mesa para jogar a seu pai. Eu rodo esta cena com a idéia de que terá uma, duas ou três ações durante o jantar. O avô entra, Pascal interrompe sua conversa idiota, despacha seu pai, a esposa na mesa finca com um garfo, e, por outra parte, a louça se rompe porque os garotos se levam por diante ao criado. Essas três ações podem ocorrer inesperadamente ou separadamente, mas a sequência foi rodada quase num plano; rodo-a três ou quatro vezes, modificando-a cada vez. Dou aos atores a possibilidade de falar mais, faço entrar o avô no meio, ou mais tarde, e cada tomada não é o dobro idêntico das outras, também a duração se modifica. Tudo isto me permite eleger na montagem o plano definitivo. O story-board toma vida, também, porque tento criar uma família de personagens. Os atores não são descritos pela ação, ou por sua psicologia interior, senão que levam um “selo” que podemos reconhecer: se é um burguês, deve em seguida ser reconhecido como tal; se é um ladrão, deve atrair-nos pela vida secreta e intensa que leva. É bem como não tenho necessidade de apoiar-me no ofício “atoral” tal como se o concebe hoje. Não obrigo meus atores a fazer coisas impossíveis, coisas que um mortal não possa fazer. Fazem o que estão acostumados a fazer, se é um camponês, trabalha, arrota, come, se arranja...
C: Como o senhor arma o plano-sequência?
OI: Ao utilizar o plano-sequência, tentativa que não se note o movimento da câmara: esta enfoca, por exemplo, alguém que caminha no meio do plano, desloca-se, cruza-se com outro personagem, fico com este segundo personagem, o outro sai de campo, eu vou com o segundo que cruza a rua, que vai falar com uma puta, sigo-o, caminham, entram no edifício e sobem as escadas. Assim, não se nota o movimento da câmara porque o movimento jamais se realiza no vazio.
C: Esse é o esquema do filme em seu conjunto...
OI: É a célula orgânica do filme. Mas não é algo calculado, nem fruto de uma reflexão, simplesmente me agrada que ocorra assim. Ainda se à noite estou completamente bêbado, isso me permite ir à rodagem à manhã seguinte, sacar a folha e não pensar: sei onde por a câmara, conheço os movimentos dos personagens, as coisas terminam ocupando sós seu lugar. E depois se pode descansar [risos].
C: Se pode falar, a propósito de Les favoris de la Lune, de uma estrutura com forma de partitura musical? O senhor tem uma formação musical?
OI: Sim, e também uma formação matemática, mas tudo isso passou ao inconsciente. Fica o algoritmo, o método de pensamento, mas jamais manipulo categorias musicais ou matemáticas. Pode ser que em meu subconsciente conserve a memória do contraponto, a forma de três partes, a do rondó, que me permite manter em pé um tema que ameaça cair. Quando repetes o mesmo tema depois de um instante, o espectador tropeça com o esqueleto, a estrutura da história, algo que lhe permite não se perder. Pode ser um pouco formalista, mas não o faço propositalmente: não é a forma “sonata” seguida minuciosamente.
C: A respeito dessa estrutura em movimento: no filme só há um personagem que não muda, o que interpreta Bernard Eisenschitz, que é azarado do princípio a fim, e de repente adquire um relevo particular.
OI: É o suporte de um tema, se se quer, monótono e repetitivo: o “fatum”, que se encontra em Beethoven, e que não me agrada muito. Ta ta ta ta, ti ti ti ti... O que me parece importante, é esta possibilidade de tratar aos personagens e às ações como temas, o que permite que tudo coalhe no filme, que as correntes co-influenciem, separem-se. Cai a água, a maré, o fluxo era algo formalmente desejado. Mas isto é puramente teórico, descubro-o agora. De fato, quando terminamos a rodagem, tudo me incomodava, as coisas não iam bem, a montagem me parecia impossível, longa, tediosa...
C: Em Les favoris de la Lune há um sentido muito agudo de observação da vida parisiense, da circulação nas ruas, da urbanidade local. Como pôde integrar-se tão rapidamente nesta realidade?
OI: Me beneficiou simplesmente minha própria experiência, ter vivido em grandes cidades, Tbilissi, Moscou, Leningrado ou Kiev. Há cidades calmas e pequenas, Marselha é grande mas calma. Poderia ter feito minha película em Marselha; teria me orientado então mais para a calma. Mas como queria fazer um filme sobre a agitação vã, gratuita, precisava um mundo em que se agite sem parar. Paris é uma cidade que se move “simpaticamente”. O movimento aqui não é como o de Moscou ou Nova York, uma cidade brutal e cruel neste sentido. Inclusive a arquitetura daqui é diferente. A presença dos vitrais é capital; há bairros, no 8° ou o 16° distrito, completamente mortos, caminha-se pela rua e não há nada. Mas em outros, tudo chama o atendimento, e vocês notarão que a gente caminha olhando os vitrais, sempre. Cada vez que vou de Paris e volto, não podem imaginar minha alegria: de repente sinto em mim uma nota diferente, sei que durante uma temporada vou viver como se deve. Não é triste, inclusive se a vida é difícil... Mas resulta que é difícil em todos os lados.
C: Existem dois temas, em seu filme, que me parecem muito “russos”; em primeiro lugar, tudo sobre o roubo do quadros, de objetos de arte, de ícones (me fez pensar no cinema de Paradjanov); em segundo lugar, o anarquismo ao mesmo tempo simpático e destruidor dos marginais que fazem voar a estátua militar. Que pensa disto?
OI: Não creio que sejam russos. Eu sei o que é a destruição das regras, das coisas, pela violência. A vida calma, por exemplo, é destruída em alguns lugares pela violência, pela explosão da estrutura social, mas também simplesmente pelo tempo. Aqui, na França, por exemplo, destruiu-se o modo de vida calmo da antiga burguesia, sem que se tenha passado uma Revolução de Outubro. No mesmo período de nossa revolução, aqui aconteceu outra coisa. Como isso passou simultaneamente nos dois lados, permiti-me aplicar aqui à vida cotidiana minhas emoções da destruição pela violência e pela força. Tudo desapareceu, montões de coisas fora de moda, por exemplo, como os passeios a cavalo no Bois de Boulogne, as reuniões de artistas na Rotonde ou na Closerie de Lilás, os poetas que liam em público, os artistas que pintavam sobre as paredes, a boa companhia de gente que frequentava os cafés pelo prazer de estar juntos. Agora, tudo em Paris se agita. Há algo que desapareceu para sempre, que foi destruído. Ao chegar a Paris, eu procurei isso, pois o tinha lido e acreditava chegar a uma cidade que seguia vivendo como antes. Por que era aplicável a Paris esta emoção da destruição? Porque ver a enorme quantidade de objetos nos antiquários, nos mercados, dá o que pensar: de onde vem isso que foi destruído, rompido? Que destino se oculta por trás de cada objeto que perdeu seu proprietário original? Um dia, durante a rodagem de Pastoral, uma atriz muito do tipo “nova burguesia” chegou com uns brincos de diamantes muito, muito antigos. Parecia-me que tinham pertencido a alguém cuja vida tinha sido um vale de lágrimas, e que se tinha visto obrigada a separar-se deles. Disse então a esta mulher: “Não se dá conta de que são brincos arrancados de um cadáver!” A mim me resulta impossível possuir coisas antigas, cadeiras, cadeirões ou quadros, mesas que tenham pertencido a outros. Como poderei imaginar de onde vêm, que vida os rodeava, como chegaram até mim? Aceito as coisas antigas se conheço sua origem, seu destino, se pertenceram a meus avôs. O mesmo com um quadro, aceito-o se me está destinado, se acorda em mim um sentimento agradável. Deus me livre, mas se encontro um Manet ou um El Greco, por que deveriam pertencer-me? Eles não pensavam em mim, tinham sua própria vida, por que ia isso pertencer-me? Digo tudo isto porque o quadro do filme, com o que não se tem nenhuma relação concreta, converte-se em objeto de desejo, mas o que o possui é igualmente um ladrão, quiçá mais ainda do que aquele que faz do roubo seu ofício.
OI: É o suporte de um tema, se se quer, monótono e repetitivo: o “fatum”, que se encontra em Beethoven, e que não me agrada muito. Ta ta ta ta, ti ti ti ti... O que me parece importante, é esta possibilidade de tratar aos personagens e às ações como temas, o que permite que tudo coalhe no filme, que as correntes co-influenciem, separem-se. Cai a água, a maré, o fluxo era algo formalmente desejado. Mas isto é puramente teórico, descubro-o agora. De fato, quando terminamos a rodagem, tudo me incomodava, as coisas não iam bem, a montagem me parecia impossível, longa, tediosa...
C: Em Les favoris de la Lune há um sentido muito agudo de observação da vida parisiense, da circulação nas ruas, da urbanidade local. Como pôde integrar-se tão rapidamente nesta realidade?
OI: Me beneficiou simplesmente minha própria experiência, ter vivido em grandes cidades, Tbilissi, Moscou, Leningrado ou Kiev. Há cidades calmas e pequenas, Marselha é grande mas calma. Poderia ter feito minha película em Marselha; teria me orientado então mais para a calma. Mas como queria fazer um filme sobre a agitação vã, gratuita, precisava um mundo em que se agite sem parar. Paris é uma cidade que se move “simpaticamente”. O movimento aqui não é como o de Moscou ou Nova York, uma cidade brutal e cruel neste sentido. Inclusive a arquitetura daqui é diferente. A presença dos vitrais é capital; há bairros, no 8° ou o 16° distrito, completamente mortos, caminha-se pela rua e não há nada. Mas em outros, tudo chama o atendimento, e vocês notarão que a gente caminha olhando os vitrais, sempre. Cada vez que vou de Paris e volto, não podem imaginar minha alegria: de repente sinto em mim uma nota diferente, sei que durante uma temporada vou viver como se deve. Não é triste, inclusive se a vida é difícil... Mas resulta que é difícil em todos os lados.
C: Existem dois temas, em seu filme, que me parecem muito “russos”; em primeiro lugar, tudo sobre o roubo do quadros, de objetos de arte, de ícones (me fez pensar no cinema de Paradjanov); em segundo lugar, o anarquismo ao mesmo tempo simpático e destruidor dos marginais que fazem voar a estátua militar. Que pensa disto?
OI: Não creio que sejam russos. Eu sei o que é a destruição das regras, das coisas, pela violência. A vida calma, por exemplo, é destruída em alguns lugares pela violência, pela explosão da estrutura social, mas também simplesmente pelo tempo. Aqui, na França, por exemplo, destruiu-se o modo de vida calmo da antiga burguesia, sem que se tenha passado uma Revolução de Outubro. No mesmo período de nossa revolução, aqui aconteceu outra coisa. Como isso passou simultaneamente nos dois lados, permiti-me aplicar aqui à vida cotidiana minhas emoções da destruição pela violência e pela força. Tudo desapareceu, montões de coisas fora de moda, por exemplo, como os passeios a cavalo no Bois de Boulogne, as reuniões de artistas na Rotonde ou na Closerie de Lilás, os poetas que liam em público, os artistas que pintavam sobre as paredes, a boa companhia de gente que frequentava os cafés pelo prazer de estar juntos. Agora, tudo em Paris se agita. Há algo que desapareceu para sempre, que foi destruído. Ao chegar a Paris, eu procurei isso, pois o tinha lido e acreditava chegar a uma cidade que seguia vivendo como antes. Por que era aplicável a Paris esta emoção da destruição? Porque ver a enorme quantidade de objetos nos antiquários, nos mercados, dá o que pensar: de onde vem isso que foi destruído, rompido? Que destino se oculta por trás de cada objeto que perdeu seu proprietário original? Um dia, durante a rodagem de Pastoral, uma atriz muito do tipo “nova burguesia” chegou com uns brincos de diamantes muito, muito antigos. Parecia-me que tinham pertencido a alguém cuja vida tinha sido um vale de lágrimas, e que se tinha visto obrigada a separar-se deles. Disse então a esta mulher: “Não se dá conta de que são brincos arrancados de um cadáver!” A mim me resulta impossível possuir coisas antigas, cadeiras, cadeirões ou quadros, mesas que tenham pertencido a outros. Como poderei imaginar de onde vêm, que vida os rodeava, como chegaram até mim? Aceito as coisas antigas se conheço sua origem, seu destino, se pertenceram a meus avôs. O mesmo com um quadro, aceito-o se me está destinado, se acorda em mim um sentimento agradável. Deus me livre, mas se encontro um Manet ou um El Greco, por que deveriam pertencer-me? Eles não pensavam em mim, tinham sua própria vida, por que ia isso pertencer-me? Digo tudo isto porque o quadro do filme, com o que não se tem nenhuma relação concreta, converte-se em objeto de desejo, mas o que o possui é igualmente um ladrão, quiçá mais ainda do que aquele que faz do roubo seu ofício.
Entrevista de Alain Bergala e Serge Toubiana publicada em Cahiers du cinéma, n° 368, fevereiro de 1985, p. 4-10.
3 comentários:
rever Iosseliani depois de tanto tempo é sempre um prazer.
Nossa, que vonnttaddee e ver esse filme, Alê!!!
Gostei, gostei da entrevista. Sabe, só acho que ficou faltando um histórico de Iosseliani. Eu mesmo posso ir atrás disso, em breve.
Andrea, parece ser muito bom. Também fiquei com vontade de assistir. :D
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