Tsai Ming-Liang é praticamente um Truffaut da era que chamam de pós-moderna. Só que menos crente no cinema. Se essa coisa do pós-moderno, ou do pós-modernismo, for a atitude do cânon do velho mundo dar espaço para a arte que antes dos movimentos de vanguarda do início do século passado era considerada inferior (da maneira que nós aqui no Brasil vemos o funk carioca, por ele vir dos morros do Rio, e pregar um analfabetismo musical à classe média decadente), então comecemos a ver algo fora dessa estilização que reduzia a expressão a algo como um signo somente.
O diretor taiwanês (malasiano, na verdade) complica a história da arte – pretensioso, não? -, usando o cinema como expressão, e sem cair nas ladainhas que o vídeo proporcionou – da experimentação por ela própria. Aí é que está: o que é a arte contemporânea? Depois das vanguardas críticas, a acidez tomou remédio e aceitou a democracia globalizada, com os encantamentos que mídias audiovisuais proporcionam ao ser humano mundial. Ainda que esse quê de esperança bobinha seja só a grande aparência, todos dialogam com essa auto-ajuda universal que é o sorriso no rosto e a palhaçada infantil de pulinhos e danças hedonistas – aí voltamos ao funk como a aparência de felicidade absurda nos morros em guerra pelo tráfico.
Lá em Taiwan, essa aparência de felicidade e progresso técnico toma proporções monumentais. Enfim – é um dos países dos chamados Tigres Asiáticos. De lá sai esse cinema louco, porque o mercado financeiro é insano, e o trabalho de lá é ridiculamente exploratório, e, como não dizer, o mundo natural do oriente é hoje o concreto.
A ironia de Tsai Ming-Liang em O Buraco, ou O rio, ou O sabor da melancia, Vive l´amour, Que horas são aí?, etc. A repetição de chuva, seca, personagens, temas, um eterno retorno da vida às vezes sem sentido, a suposição de uma cultura européia desenvolvida e melhor que o musical oriental... Tudo em Liang parece uma brincadeira com o cinema da “alta-cultura” – esse que ganha fama pela cinefilia mundial por ser o cinema do século passado, do expressionismo europeu ao utilitarismo hollywoodiano. Nesse embate, um tipo de “cinema novo” ganhou formas e, por diversas vezes, pareceu decadente com diretores como Godard, Antonioni, Fellini. Mas, como diria o próprio pensador baziniano, os jovens franceses pensavam estar acabando com o cinema, mas na verdade estavam apenas começando outra coisa. Godard, imperfeito e jocoso, arriscaria essa ironia da imagem falsa, algo que Truffaut soube fazer ao grande público, e que agora, quem o faz é Ming-Liang.
Exemplos são vários, dessa exibição contraditória da imagem. Os longos planos sequência são um. Enquanto esperamos a sequência narrativa, um filme como Vive l´amour nos dá mais: dá um desespero da espera e do desencontro. Mas não é aquele desespero de Antonioni, de um vazio existencial, pelo contrário. O plano sequência malasiano tem sentido, e é o da graça e da ironia. Como se ele dissesse “Veja isso. Não, não saia agora, veja mais. Não quer ver? Então vai perder o desfecho. Quer perder? Então perca, mas não diga que eu não avisei. Tá esperando? Tudo bem, desisti de fechar – era isso o que eu queria que você visse mesmo”.
São imagens eróticas, no sentido mais religioso da palavra. Liang explora o específico do cinema, que é a atenção do espectador. Tal como Hitchcock fazia, mas de uma forma completamente diferente. Não estamos diante de uma criação de um gênero como o suspense. Estamos experienciando um tipo de cinema que ainda não havíamos visto, com o diretor oriental. O cinema das formas geométricas da arquitetura hiper-moderna, abrigando corpos humanos em completa agonia nesses triângulos e quadrados, prédios e corredores, portas e escadas. Daí, portanto, um grande buraco num apartamento, ou a falta de água constante. Daí se vê uma iluminação: pra onde nossa espécie está nos levando, afinal?
O diretor taiwanês (malasiano, na verdade) complica a história da arte – pretensioso, não? -, usando o cinema como expressão, e sem cair nas ladainhas que o vídeo proporcionou – da experimentação por ela própria. Aí é que está: o que é a arte contemporânea? Depois das vanguardas críticas, a acidez tomou remédio e aceitou a democracia globalizada, com os encantamentos que mídias audiovisuais proporcionam ao ser humano mundial. Ainda que esse quê de esperança bobinha seja só a grande aparência, todos dialogam com essa auto-ajuda universal que é o sorriso no rosto e a palhaçada infantil de pulinhos e danças hedonistas – aí voltamos ao funk como a aparência de felicidade absurda nos morros em guerra pelo tráfico.
Lá em Taiwan, essa aparência de felicidade e progresso técnico toma proporções monumentais. Enfim – é um dos países dos chamados Tigres Asiáticos. De lá sai esse cinema louco, porque o mercado financeiro é insano, e o trabalho de lá é ridiculamente exploratório, e, como não dizer, o mundo natural do oriente é hoje o concreto.
A ironia de Tsai Ming-Liang em O Buraco, ou O rio, ou O sabor da melancia, Vive l´amour, Que horas são aí?, etc. A repetição de chuva, seca, personagens, temas, um eterno retorno da vida às vezes sem sentido, a suposição de uma cultura européia desenvolvida e melhor que o musical oriental... Tudo em Liang parece uma brincadeira com o cinema da “alta-cultura” – esse que ganha fama pela cinefilia mundial por ser o cinema do século passado, do expressionismo europeu ao utilitarismo hollywoodiano. Nesse embate, um tipo de “cinema novo” ganhou formas e, por diversas vezes, pareceu decadente com diretores como Godard, Antonioni, Fellini. Mas, como diria o próprio pensador baziniano, os jovens franceses pensavam estar acabando com o cinema, mas na verdade estavam apenas começando outra coisa. Godard, imperfeito e jocoso, arriscaria essa ironia da imagem falsa, algo que Truffaut soube fazer ao grande público, e que agora, quem o faz é Ming-Liang.
Exemplos são vários, dessa exibição contraditória da imagem. Os longos planos sequência são um. Enquanto esperamos a sequência narrativa, um filme como Vive l´amour nos dá mais: dá um desespero da espera e do desencontro. Mas não é aquele desespero de Antonioni, de um vazio existencial, pelo contrário. O plano sequência malasiano tem sentido, e é o da graça e da ironia. Como se ele dissesse “Veja isso. Não, não saia agora, veja mais. Não quer ver? Então vai perder o desfecho. Quer perder? Então perca, mas não diga que eu não avisei. Tá esperando? Tudo bem, desisti de fechar – era isso o que eu queria que você visse mesmo”.
São imagens eróticas, no sentido mais religioso da palavra. Liang explora o específico do cinema, que é a atenção do espectador. Tal como Hitchcock fazia, mas de uma forma completamente diferente. Não estamos diante de uma criação de um gênero como o suspense. Estamos experienciando um tipo de cinema que ainda não havíamos visto, com o diretor oriental. O cinema das formas geométricas da arquitetura hiper-moderna, abrigando corpos humanos em completa agonia nesses triângulos e quadrados, prédios e corredores, portas e escadas. Daí, portanto, um grande buraco num apartamento, ou a falta de água constante. Daí se vê uma iluminação: pra onde nossa espécie está nos levando, afinal?
2 comentários:
De Tsai Ming-Liang, vi apenas "Vive l'amour". E fiquei impressionado, principalmente com a capacidade de nos deixar em constante tensão. No sentido de sempre nos deixar apreensivos, a espera de algo, do próximo enquadramento, da próxima cena.
Que texto, que texto. Tenho aqui comigo a filmografia dele. Demorei a conferir pelo menos um dos filmes. Desta semana não passa!
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