12 de set. de 2008

Em Cartaz: "LINHA DE PASSE"


Quem lê a sinopse do terceiro longa metragem co-dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, pode imaginar algo como: “é mais um filme sobre pobreza do povo brasileiro e suas mazelas”. O que não deixa de ser verdade, ao passo que essa temática é explorada à exaustão por muitos cineastas brasileiros, mas Linha de Passe pode ser visto por outro viés. Uma trama centrada nos desafios pessoais de uma família pobre e degradada perante os padrões da sociedade.

Individualismo é foco das agruras

Linha de Passe tem como ponto de partida o ambiente urbano, no qual seus personagens se amalgamam em busca das suas realizações, desejos, crenças e objetivos, lutando e sendo engolidos pelo meio que os permeia. A narrativa do filme de Salles e Thomas é enriquecida já na sua primeira grande sequência, com incursões externas, onde as particularidades dos personagens são retratadas em um dia na cidade de São Paulo, sendo posteriormente desenvolvidas pelo bom roteiro que narra o espaço temporal entre os acontecimentos do filme até o seu desfecho.


Sandra Corveloni (prêmio de melhor atriz em Cannes 2008) é a matriarca de uma família desestruturada que habita a periferia da Zona Leste de São Paulo, tem o desafio de gerenciar sua casa e tomar conta de seus quatro filhos homens - e ainda grávida do quinto - todos de pais diferentes. Cleuza (Corveloni) embora grávida e trabalhe fora para manter o sustento dos filhos, além de dividir seu sofrimento cotidiano com sua outra paixão: o Corinthians – acompanha os jogos do alvinegro no malogro de sua campanha no Campeonato Brasileiro de 2007, seja no rádio ou no estádio em um clássico.

O futebol é a peça-chave nas relações familiares, pois não só a mãe como todos os filhos são adeptos, como é mostrado numa bela cena fotografada à noite no pátio da casa, onde um bate-bola entre os quatro irmãos mostra suas habilidades com a bola. Contudo, essa habilidade é a antítese de suas realidades. Principalmente de Dario (Vinicius de Oliveira, em seu segundo trabalho com Walter Salles - o primeiro foi Central do Brasil, 1998), que sonha em ser jogador de futebol profissional, correndo contra o tempo das peneiras, pois já vai completar 18 anos. Tempo que seu irmão mais velho, o motoboy Dênis (José Geraldo Rodrigues) corre para cumprir suas tarefas e resistir à oferta da ilicitude. Tempo que o agora convertido evangélico Dinho (João Baldasserini) faz com que sua fé reverta sua antiga trajetória “na quebrada” em que habita, para reprovação de seus ex-amigos. Tempo que o caçula Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), inconformado pela ausência e abandono paterno, busca em suas viagens diárias de ônibus para encontrar seu pai.


O individualismo de cada personagem é retratado por suas desgraças cotidianas, onde a falta de perspectiva real e o desencanto de seus desejos caminham de mãos dadas, contra a indiferença da classe média alta, que por sua vez também é individualista (como não poderia deixar de ser), só enxerga essas mazelas que a rondam quando sua condição é posta em perigo, fato mostrado no filme em ótimas tomadas de ação no caótico trânsito paulistano. O futebol pulsa na tela, que vai da arquibancada (no clássico entre São Paulo e Corinthians, onde Cleuza torce e acredita na reação do seu time no campeonato), nas peneiras e nos jogos na várzea onde Dario tenta a sorte de mostrar o seu talento futebolístico (real, diga-se de passagem).

E se o tempo constrói ou destrói tudo, em Linha de Passe os personagens lutam contra o tempo, por meio de suas individualidades e objetivos que cada vez mais impõem dificuldades nas suas caminhadas. Incursão no mundo do crime, devoção religiosa, mazelas sociais, indiferença da classe média, paixões e sonhos futebolísticos, meio e temporalidade que corroem a vida dos personagens são os elementos que Walter Salles e Daniela Thomas apresentam com simplicidade, apenas um exemplo de jornada cotidiana de uma família à margem do progresso e das esperanças das grandes metrópoles brasileiras, porém sem cair nos clichês e na pieguice de muitos filmes que exploram a desgraça alheia como forma de denúncia social ou simplesmente por uma estética descompromissada com a realidade brasileira.

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