Mostrando postagens com marcador Andrei Tarkovski. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Andrei Tarkovski. Mostrar todas as postagens

16 de ago. de 2008

"O SACRIFÍCIO" de Andrei Tarkovski


Você cuidaria de uma árvore morta, sempre esperando que ela voltasse a florescer?

Pois bem, é isto que Alexander está fazendo, enquanto proseia com seu filho que recém-passou por uma cirurgia de garganta, portanto, o menino está mudo. Uma esperança sem palavras?

É aniversário de Alexander. Surge o carteiro, que promete um presente. Divergem sobre Nietzsche, o eterno retorno. Vai embora, este carteiro, para depois retornar. Chegam os festejadores, entre eles, a esposa, com o médico - com quem ela parece viver.

É uma bela casa, ainda que sombria. Situações inusitadas ocorrem e, a partir de certo ponto, não temos mais noção do que é realidade ou sonho. O filme perde cores e elas retornam - nada é muito claro. Mas todas aquelas pessoas estão repletas de medo, esta é a verdade. Um ataque nuclear de sonho, existências insuportáveis sob o medo de uma guerra fria. Tudo tão desconfortável, que só resta a Alexander uma saída: sair escondido de casa, pegar a bicicleta do carteiro e fazer amor com a criada islandesa. Uma bruxa? É o que lhe diz o carteiro-consciência.

Entre sonhos, o ateu Alexander jura ao deus sacrificar tudo o que lhe é mais caro para que o terror todo acabe (ver clipe ao final do texto). Está rompendo, rompendo... indo além de si. Concretizado o ato carnal, Alexander volta para casa, às escondidas, enquanto os outros falam sobre suas pequenas vidas.

Alexander, que não se sente confortável com sua pequena vida de ex-ator de teatro em retiro, está pronto para o sacrifício. Monumental e dantesco plano: incendeia a própria casa, com tudo o que possui, com tudo o que lhe é caro. É sua negação do eterno retorno. É seu sacrifício para que nada mais se repita. Para ficar na memória, a cena do rompimento - o incêncio imponente e a perseguição a Alexander, que resiste a entrar na ambulância. Todos atrás dele, uma cena cheia de significado, que não esconde uma graça trágica.

Sob a mesma árvore morta que Alexander regava, seu filho volta a falar: "No princípio era o verbo", "Por que, pai, por quê?". É o fim, mas não da realidade em que vivemos, cada vez menos suportável e vertiginosa. Alguma esperança?

O Sacrifício (Offret; 1986) de Andrei Tarkovski, é seu filme derradeiro. Já ciente do câncer que iria matá-lo, nesta mescla de situações tão possíveis de serem reais e tão oníricas, deixa-nos seu último recado. Tarkovski assume Zaratustra, aquele que disse que é preciso superar o homem? É possível romper com tudo aquilo a que já nos acostumamos, inclusive o medo? Se possível é, então pergunto-me o preço. Não tenho respostas.

Película inquietante, O Sacrifício foi realizada na Suécia, terra de Ingmar Bergman, já que Tarkovski não mantinha boas relações com as autoridades soviéticas. Um autoexílio. Mas a intersecção Tarkovski-Bergman não para neste detalhe. O "ator-fetiche" de Bergman, Erland Josephson, é Alexander. Sven Nykvist, diretor de fotografia de grande parte dos filmes de Bergman (e de alguns de Woody Allen, também), está lá. E o clã Bergman comparece com o jovem Daniel, filho de Ingmar, atrás de uma câmera. Às vezes, tive a sensação de ver um filme do sueco, não do russo.

Desconfortável, sim. Mas também uma despedida impossível de ser ignorada.

O Sacrifício - Andrei Tarkovski - Suécia/Reino Unido/França - 1986

 
Free counter and web stats