11 de jun. de 2008

Maio de 68: "A CHINESA"





“Se o filme (A Chinesa) se fechar
completamente no cinema e não dialogar com os militantes, é porque o filme é ruim e reacionário”.

Jean-Luc Godard



O ano de 2008 marca o aniversário de 40 anos de um movimento cultural que eclodiu na França no final do verão europeu, o Maio de 68, que, diga-se de passagem, não começou efetivamente nesta data. O movimento estudantil francês tomava frente junto aos atos de rebeldia e transgressões que sacudiram o país (invasão das universidades de Nanterre e Sorbonne), com o apoio de intelectuais das mais variadas vertentes políticas e culturais – estudantes enfrentavam a polícia, trabalhadores entraram em greve protestando contra as políticas trabalhistas e estudantis do governo.

A França estava incandescente e era um cenário real do que ocorria no mundo: havia a Guerra do Vietnã, a divisão do mundo em dois blocos econômicos, os governos totalitários em conseqüência da Guerra Fria, entre outros acontecimentos. Enfim, esta era a conjuntura política e intelectual que deu formato à efervescência política e cultural e às manifestações estudantis, trabalhistas e artísticas. Em que pese o campo das artes, especialmente o cinema, houve um prelúdio com a crise da reconhecida Cinemateca Francesa, que ocorrera em fevereiro do mesmo ano, quando Henry Langlois, fundador e diretor da Cinemateca, teve seu cargo ameaçado pelo Ministro da Cultura do presidente francês Charles de Gaulle. A demissão se consumou por intermédio do conselho da cinemateca e principalmente pelo pedido do ministro André Malroux.

O fato despertou o repúdio de cineastas como François Truffaut, que, na época, estava dirigindo Beijos Proibidos (1968). Antes, toda essa movimentação que permeava a França, uma produção cinematográfica que se sobressaía, já era suficiente para retratar todo o ideário do que vinha ocorrendo em A Chinesa (1967), filme dirigido por um dos maiores realizadores de um cinema autoral e politizado, Jean-Luc Godard.

Após Week End (1967), o cineasta investia sua formação como grande teórico na realização de filmes que pregavam um cinema de cunho independente e político, fundando, em 1968, o Grupo Dziga Vertov, que durou até 1972. Essa fase da filmografia de Godard é marcada pelo experimentalismo, com filmes de difícil abstração, sem narrativas lineares, que priorizavam as reflexões sobre a arte, além de certa visão niilista de mundo, realmente nada otimista, tendo em vista o período histórico vivenciado.

Mesmo sendo realizado um ano antes da eclosão do maio de 68, A Chinesa aborda o ambiente vivenciado no momento, a revolução cultural na China, a Guerra do Vietnã e, principalmente, o imperialismo estadunidense, que é citado à exaustão no filme, através de discussões e referências maoístas, socialistas, marxista-leninistas, entre outras.

Um aspecto relevante no filme é o uso da câmera na condução da narrativa não-convencional, utilizando planos onde seus personagens respondem questões propostas pelo próprio Godard (como um narrador em off), fazendo com que eles olhem direto para a câmera, como se estivessem dialogando com o expectador, em um estilo semi-documental. O filme é rico em citações e referências – não só políticas, mas também literárias e cinéfilas. Há Sartre, Marx, Althusser, Lumière, Eisenstein.

O estranhamento na condução do filme é a principal ousadia de Godard. Os personagens Veronique (Anne Wiazemsky, a companheira do cineasta depois que ele se separou de Anna Karina, musa de seus primeiros filmes), o ator Guillaume (Jean-Pierre Léaud, "alter ego" de François Truffaut da pentalogia do personagem de Antoine Doinel, um dos ícones das Nouvelle Vague), o economista Henri (Michel Semeniako), o pintor Kirilov (Lex De Bruijn) e a prostituta Yvonne (Juliet Berto, que teve um caso com Glauber Rocha e trabalhou em "Claro", que o cineasta brasileiro realizou durante o seu exílio na Itália nos anos 70), dividem um apartamento onde debatem suas concepções de mundo por um prisma esquerdista, em crítica explícita ao Partido Comunista Francês.

Mao Tsé-Tung é transformado em um cômico jingle, "Mao, Mao". Juliet Berto está fantasiada de chinesa diante do tigre da Esso, o rosto pintado como os soldados do Vietnã bombardeando florestas com uma bomba napalm imaginária.



“O Imperialismo é um tigre de papel”.

Mao Tsé-Tung


Seus embasamentos são armas, livros, cartazes, grafite, slogans, manchetes de jornais fragmentados em um quebra-cabeças filosófico e, principalmente, subversões como atentados políticos. Um ano após A Chinesa, exatamente no Festival de Cannes em 1968, o retrato de inconformidade permeava e o festival acabou suspenso uma semana depois de seu início. Truffaut, Malle, Godard, Polanski e outros cineastas, alguns com filmes concorrendo na mostra, além de 1,2 mil profissionais de cinema da França, criaram os Estados Gerais do Cinema Francês, fórum de debates permanentes sobre “as estruturas reacionárias de um cinema transformado em mercadoria” baseado na liberdade total de criação e, com menor ênfase, na utópica submissão do aparato cinematográfico aos interesses da classe operária.

Tais subversões despertaram debates e a revisão de conceitos por meio da intelectualidade: o mundo estaria mudando? Para o bem ou para o mal? Mudou para quem? As respostas, até hoje, não sabemos ao certo, mas esses acontecimentos valeram como uma forma de enxergamos por um prisma universal, a fim de questionar o que nos era e é imposto por um sistema do qual fazemos parte e fomentamos, pois tanto em A Chinesa quanto no Maio de 68, as pessoas não sabiam ao certo o que queriam, mas sabiam o que não queriam.

5 comentários:

anakan disse...

ótimo texto.

tenho impressão, no entanto, que 'política estudantil' só pode dizer respeito à política dos estudantes, portanto, fica estranha a expressão 'política estudantil do governo'. acho que seria mais adequado 'política educacional'.

Alessandro disse...

Ficou uma coisa, uma coisa! :D

Abraços, povo!

rosana dias disse...

Eu vi A CHINESA na Casa de Cultura e há quase 15 anos.
Foi uma verdadeira lavagem cerebral.
Saudade dos ciclos da Casa de Cultura que já forma melhores.

Hudson disse...

Tem razão Anakan.

'Política educacional'é mais adequado.

Anônimo disse...

O texto tá informativo paca.

 
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