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10 de out. de 2008

Macunaíma - de Andrade a Andrade

Ai, que preguiça! Estejam certos, não é a frase ideal para começar o texto. O leitor pode entendê-la como seu desejo perante a leitura. Ou abrir um sorriso e lembrar-se de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Ainda bem, pois meu objetivo é homenagear o protagonista. Tão bem construído por Mário de Andrade que ganhou vida própria. Magistralmente adaptado por Joaquim Pedro de Andrade no cinema que adquiriu rosto. Melhor, rostos: Grande Otelo e Paulo José.

A Constituição Federal de 1988 tem de pedir benção ao herói de nossa gente. Se ela completou 20 anos no último dia 5, ele completou 80. A rapsódia de Mário de Andrade foi inspirada nos mitos descritos pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg sobre os povos indígenas da região da tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa. Alfredo Bosi observa que “a mediação entre o material folclórico e o tratamento literário modernos faz-se via Freud”. E as transformações do protagonista obedecem à estrutura do pensamento selvagem, descrito por Claude Lévi-Strauss como “pensamento capaz de compor e recompor configurações a partir de conteúdos díspares esvaziados de suas primitivas funções” (História concisa da literatura brasileira, p. 352).

Macunaíma é o herói sem nenhum caráter porque está em constante transformação, espécie de argila a ser moldada pelo medo e pelo prazer. Índio nascido preto, sem pai, torna-se branco. Malandro a cair na conversa dos mais espertos. Mentiroso incorrigível a mentir para sobreviver ou para tirar vantagem. Egoísta tragado pelo egoísmo dos outros. Mulherengo a sofrer por causa de uma mulher. Nasce no fundo do mato-virgem, renasce na metrópole.

Tendo em mente o protagonista amorfo da rapsódia de Mário de Andrade, Joaquim Pedro de Andrade é fiel à Macunaíma por não ser canônico. No press book de 1969, afirma que considera o filme um comentário ao livro. Realmente é. Quem estiver a fim de ver literatura no cinema está indo ao lugar errado. Não tente inovar, vá à biblioteca.

As mudanças do longa-metragem são precisas e circunstanciais, produtos de um homem consciente da histórica e da estética. Em 1969, o herói de nossa gente estava com 41 anos. O diretor tinha clareza dos propósitos do escritor, de voltar-se contra a arte dos salões, representada pelo Parnasianismo, com sua dicção afrancesada, através do uso da linguagem oral, da cultura popular, parodiando os discursos empolados dos oradores. Uma afronta iniciada em 1922 que se consolidou ao longo dos anos, através das obras iniciais e dos manifestos.

Mas a iconoclastia ganhou forma no Manifesto Antropofágico. Joaquim Pedro de Andrade digeriu Mário de Andrade com o estômago de Oswald de Andrade e o olhar aguçado da sua câmera. Atualizou Macunaíma à conjuntura política (Ci era guerrilheira), parodiou a estética julgada ultrapassada da chanchada (o humor burlesco), ironizou o kitsch tropicalista (o figurino de Anísio Medeiros) e deu algumas cutiladas na ditadura civil-militar (a canção ufanista em momentos grotescos ou trágicos).

Se havia sutileza no livro, na película ela tornou-se mau gosto, exagero e grossura. Humor de menino criado na rua, empinando pipa, andando de carrinho de rolimã, jogando bola, caçando passarinho com estilingue, entre tantas outras brincadeiras. Quem pensa como a mãe a dar tapa na boca do filho por falar sujeiras se incomodará com o Macunaíma de 1969. Se bobear, até com a lascívia do de 1928. Como afirma Joaquim Pedro de Andrade no press book, “Procurei fazer um filme sem estilo predeterminado. Seu estilo seria não ter estilo. Uma antiarte, no sentido tradicional da arte [...] Não existem nele concessões ao bom gosto. Já me disseram que ele é porco. Acho que é mesmo, assim como a graça popular é freqüentemente porca, inocentemente porca como as porcarias ditas pelas crianças.”

Apesar de imerso na estética antropofágica e no momento histórico, a fita é atual, pois de certa forma mantém-se como nossa imagem refletida no espelho. Sim, é um reflexo distorcido. “Mesmo quando uns e outros enfatizam apenas aspectos da situação ou acontecimento, inclusive esquecendo outros aspectos, mesmo nesses casos ocorre alguma forma de esclarecimento”, as palavras do sociólogo Octavio Ianni no artigo Tipos e mitos do pensamento brasileiro nos esclarecem. Não é à toa que o filme teve uma das maiores mobilizações no MovieMobz. Ainda nos divertimos com nós mesmos, com Macunaíma (Grande Otelo e Paulo José), com Ci (Dina Sfat), com Jiguê (Milton Gonçalves), com Maanape (Rodolfo Arena) e com Pietro Pietra (Jardel Filho).

Ai, que preguiça! Para que falar do enredo se todos o conhecem de cor e salteado? Contudo, no ano em que sua obra máxima completou 80 anos, sou obrigado a dar os parabéns a Mário de Andrade, nascido em 9 de outubro de 1893. Parabéns, Mário. No cinema, o herói de nossa gente esteve em boas mãos. Mas o câncer de Joaquim Pedro de Andrade o levou alguns dias antes dele ver um de seus sonhos realizados, uma constituição a ver o povo como cidadão. Para nós, brasileiros, além da Constituição Federal de 1988 ainda não muito bem consolidada, com muitos direitos garantidos constitucionalmente que ainda não se realizaram de fato, temos duas obras-primas, uma a dignificar nossa literatura e outra o nosso cinema.

1 de out. de 2008

Brasil - Cinema e Política: "OS INCONFIDENTES"

Os cineastas brasileiros ainda se recuperavam do impacto do golpe de 1964, quando o A.I. 5 lançou todos numa perplexidade frente o futuro do país. O estado das artes que se seguiu, principalmente entre os politizados realizadores do Cinema Novo refletiu e rebateu seu contexto histórico, inclusive ao montar os chamados filmes históricos, ou seja, fitas que retratassem o passado brasileiro. Os Inconfidentes (1972), neste caso, permanece até hoje um dos maiores e complexos exercícios de reflexão histórica já realizados na cinematografia mundial. Ali o passado é uma porta para (re) ver o presente.

Quando o Cinema Novo dava vista de se desgastar, seus representantes tentaram novas formas de ação. Glauber Rocha finalmente lançou um triunfo comercial com Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de 1969, e Joaquim Pedro de Andrade, lançou no mesmo ano, Macunaíma, outro sucesso comercial. Influenciados pela estética tropicalista, realizadores e público reagiam numa nova sintonia pelo estilo barroco, mas agora brilhante e espetaculoso de lidar com a cultura brasileira que aparecia nas películas. Foi ali que ocorreu a retomada da antropofagia que Joaquim Pedro de Andrade iria explorar ao limite em Os Inconfidentes. Enquanto Glauber seguia carreira internacional, muitos cineastas tentaram reatar as pazes com o público, e outros formaram o cinema marginal, o “udigrundi”, tentando se apartar do fracasso nacional, Joaquim Pedro tentou enfrentar a ressaca da ditadura retratando o mais antigo mito republicano, Tiradentes.

Foi assim que um grande painel histórico e antropofágico foi montado na entrada dos anos 1970, usando o evento da Inconfidência Mineira como forma de retratar um antigo Brasil que ainda estava querendo “ser” independente (de Portugal e da tirania monárquica) para explorar um Brasil atual e dependente (os demônios da época eram o capitalismo internacional e a ditadura militar). Os Inconfidentes foi montado como um painel metafórico para decifração, devido ao quadro da censura local. O uso de tais metáforas foi uma estratégia recorrente dos cineastas da época para poder expressar suas idéias sem ser aprisionados pelas mesmas. Era preciso dizer o país, se comprometer com ele, sem se comprometer com a censura ditatorial. O resultado é que a complexidade do filme de Joaquim Pedro de Andrade foi tanta que a fita foi constantemente acusada de hermética, acusação não de toda injusta, mas também empobrecedora ao não aceitar que determinados trabalhos exigem mais interpretação do que outros – e isso não é um defeito.

Os Inconfidentes foi um golpe nas convenções dos filmes históricos brasileiros. Primeiro porque recusava uma narrativa clássica e realista, usando de metáforas constantes e até criando situações ficcionais que não ocorreram na época da Inconfidência. Segundo porque os personagens históricos, em especial Tiradentes, não são retratados como grandes e heróicos protagonistas da luta republicana. Finalmente ao cruzar cenas ficcionais com cenas documentárias do passado recente, a película lança o passado no presente e vice-versa, fazendo o espectador indagar sobre qual é realmente a dinâmica da história. Senão vejamos cada um desses pontos.

A Inconfidência se deu no século XVIII e um filme histórico convencional teria centrado sua narrativa na tragédia de um homem (Tiradentes) em propor uma revolução e ser traído por seus comparsas. O heroísmo seria acentuado num cenário “fiel” à época histórica, com figurinos, móveis, ruas e casas “de época” que não dariam ao espectador qualquer dúvida do universo ficcional que estava sendo visto. Contra tudo isso, Joaquim escolheu uma “fidelidade visual” (cenários, figurinos, etc.) combinado com narrativa metafórica e truncada, por vezes repleta de cenas oníricas e elipses inesperadas. A própria encenação usa muito de “teatralização”, apelando para certo expressionismo por meio de uma fotografia contrastada em muitas cenas, principalmente nas dos interrogatórios dos rebeldes, um trabalho particularmente espetacular do fotógrafo Pedro de Moraes para o filme.

Já o heroísmo dos personagens é relativizado e tornado ambíguo. A começar pelo Tiradentes vivido por José Wilker, quase interpretado como um louco e bufão, homem compromissado com uma causa, mas cheio de intempéries e rompantes, os heróis são “desfeitos” ao serem humanizados. Isso é mais evidente ainda nos outros inconfidentes, do Tomás Antônio Gonzaga (Luiz Linhares) a Alvarenga Peixoto (Carlos Kroeber), passando por Cláudio Manoel da Costa (Fernando Torres) e todos os demais. E eis um ponto chave da fita: a Inconfidência é mais um delírio de intelectuais e artistas do que um projeto político que envolvesse o povo e a transformação da colônia. Aqui a metáfora óbvia foi com a própria geração de Joaquim Pedro de Andrade, cineasta que como tantos outros, acreditava e propagava a revolução, esperando que um povo idealizado pegasse em armas e instaurasse um novo Brasil. Sua surpresa com a apatia popular frente ao Golpe Militar mostrava que o povo não foi alcançado pelo “ideal revolucionário”, e que na verdade os intelectuais e artistas brasileiros haviam se encastelado em delírios pequeno-burgueses portando-se como os cavaleiros da esperança.

Finalmente a fita conclui com uma magnífica cena de parada cívica comemorando em Ouro Preto o feriado de 21 de Abril, dia de Tiradentes. Quando Tiradentes vai ser enforcado e seu corpo cai no cadafalso, um boneco é suspenso numa festa Cívica do tempo presente. Meninas vestidas com os célebres uniformes de marinheiro desfilam pela tela em uma montagem rápida enquanto sons de batidas se fazem ouvir. Em cortes rápidos aparece carne sendo cortada e logo cenas de carne exposta preenchem o quadro completo do filme. De quem é essa carne? De Tiradentes sem dúvida, condenado a ser enforcado e esquartejado e seus pedaços espalhados, mas não somente. A carne é a dilacerada nação brasileira, destruída por líderes sonhadores e militares opressores, incapazes de enfrentar a dominação externa, seja portuguesa ou americana. Não seria o Brasil, nessa perspectiva, a carne mais barata do mercado, para frasear a canção!? Ora, perto do final da fita, uma infeliz fatia é focada em plano fixo e uma mosca pousa sobre ela.

O filme utiliza ainda de alegorias interessantes, sendo a mais estupenda delas a “aparição” da própria Rainha Maria de Portugal para os inconfidentes que rastejam a seus pés implorando-lhe perdão. Ela os condena cada um a uma pena, mas a Tiradentes reserva a pena capital por seu crime de Lesa Majestade, que além de morto e esquartejado terá sua casa derrubada e o terreno banhado de sal para que mais nada cresça. A cena magnífica conta com a interpretação soberba de Margarida Rey cujo tom de voz e postura em meio ao espetáculo dos condenados reserva uma assustadora impressão. É sabido que a rainha não veio ao Brasil para condenar os rebeldes, mas esta cena demonstra a qualidade estética e as possibilidades que o cinema oferece quando retrata um passado histórico, sem necessariamente seguir a “fidelidade” aos fatos.

O ganho de Os Inconfidentes é de um espectador mais inteligente e decifrador de mistérios históricos. A sobreposição de alegorias com cenas documentais dá oportunidade ao espectador criar sua própria visão do passado que é ali visto. Joaquim Pedro usou dos Autos da Devassa, principal e mais conhecido documento da época, e o Romanceiro da Inconfidência, obra poética de Cecília Meirelles inspirada no evento. Finalmente ao cruzar ficção com cenas documentais e a famigerada carne esquartejada, o diretor deixa claro que seu filme é menos sobre o passado em si, senão sobre a forma como o passado permanece vivo no presente e permite ver este com outros olhos.

Os Inconfidentes permanece uma das obras-primas do cinema mundial, antropofágico ao colocar em pauta quem devora a carne de nossos sacrificados. Sua resposta cruel é que é o próprio povo brasileiro. A fita consegue ser mais poderosa do que o famoso quadro Tiradentes Esquartejado de Pedro Américo. O ultraje do corpo do “herói” acaba sendo substituído pelo ultraje de uma nação inteira.

5 de ago. de 2008

"Couro de Gato" e "Gato de Madame": controvérsias felinas e proximidades entre a Vera Cruz e o Cinema Novo

A próximidade temática do curta Couro de Gato (1962) de Joaquim Pedro de Andrade e do filme Gato de Madame (1956) de Agostinho Martins Pereira, estrelado por Mazzaroppi e produzido pela Vera Cruz, sugere um confronto entre duas maneiras de representar o Brasil. Em ambos, o montor central da narrativa é a posse de um gato. Em Couro de Gato, a questão central é vender os gatos para fazer tamborins para o carnaval; no filme de Mazzaroppi, o problema motor é a recompensa de 100 mil cruzeiros para quem encontrar o gato da madame.

Na nossa tradição historiográfica e da crítica cinematográfica, convencionou-se ver na Vera Cruz (filme de Mazzaroppi) e nos primórdios do Cinema Novo (curta de Joaquim Pedro) um conflito, uma separação. Para se valer de uma palavra mais comum nas questões historiográficas, via-se nos dois filmes – sobretudo naquilo que estava em jogo por trás dos filmes, nos manifestos políticos – uma ruptura. A Vera Cruz seria a indústria incipiente que adquiriu o sucesso de público, mas pecou na crítica política. O Cinema Novo, por sua vez, teria primado pela crítica política e pelo rigor ideológico, mas ficara reservado ao gozo de um público europeu politicamente erudito e, no Brasil, destinado ao limbo, num país de surdos-alienados que não estavam à altura da arte politizada.

Assistir aos filmes, partir das imagens – como insiste Marc Ferro no seu livro clássico, História e Cinema – é um bom passo para relativizarmos esses estigmas sobre a Vera Cruz e o Cinema Novo.

Nos dois filmes, há uma estrutura onde o personagem principal se relaciona com o gato e tem, em relação ao animal, uma dupla relação. Uma é a sua própria relação com o animal, que nos dois casos é de identificação e amor, cumplicidade, afetividade. Outra relação, é a composta pelo sujeito e pelo gato com a sociedade. É, esquecemos, hoje em dia, que as relações entre pets e donos estão mediadas pela sociedade, mas enfim... Nos filmes, essa relação com a sociedade, a relação homem-animal, se modifica. No curta de Joaquim Pedro, ela é de subsistência, de necessidade extrema. Quando chega o carnaval, o couro do gato se torna uma mercadoria privilegiada e provoca as necessidades dos meninos do morro. Eles irão à caça. No filme de Mazzaroppi, ao contrário, o ganho é pela proteção do gato. Os 100 mil cruzeiros serão entregues àquele que devolver o gato à madame. Essa distinção é crucial para se entender porque um filme é um drama em torno da vida do gato e o outro filme é uma comédia. No primeiro filme, o sujeito, uma criança da favela, deve matar o animal para sobreviver. No filme de Mazzaroppi, o homem do povo, o matuto vai ser seduzido pelo gato e, meio sem querer, vai se deparar com uma fortuna nas mãos, que nada mais era do que um pobre gato encontrado na rua. No filme do Cinema Novo, temos um dilema, no qual a morte é a mediadora mais provável. No filme da Vera Cruz, temos uma peripécia, um acidente, no qual Mazzaroppi se vê, mesmo sem saber, com um pobre gato, que, na verdade, é uma grande fortuna proposta pela madame.

Mas, colocando um pouco de sal nessa receita, não podemos dizer que, no curta Couro de Gato, há, apesar do dilema, uma experiência de reconhecimento da dor do animal, perpassada pela afetividade doada pelo menino? Essa experiência de dor estaria registrada pela câmera e seria o reconhecimento da dor do menino em relação ao gato, mas não apenas isso, estaríamos também reconhecendo a dor do menino em não ter escolhas frente ao dilema imposto pelo mundo em que vive. Apesar do final triste, no qual o menino entrega o gato para ser morto, estariamos experimentando, por meio da dor do menino em relação ao gato, uma compaixão nossa em relação ao menino. O curta assim, apesar de não ter um final feliz, propõe um reconhecimento do sofrimento do menino, o que é uma conquista. Sobretudo nos nossos dias, em que a exclusão social é mediada pelo BOPE, torna-se urgente e feliz um filme que produz um reconhecimento da dor do outro, um pesar pela ausência de escolhas e pelo trauma de um outro.


Do mesmo modo, pode-se dizer que, na salvaguarda do gato por Mazzaroppi, não há um percurso onde o matuto, o homem do povo, se resigna com a sociedade em que vive. Mazzaroppi é extremamento crítico com o gangesters (como ele mesmo fala, a língua gostosa do povo, como dizia Oswald de Andrade), com os espíritas ou com a alta burguesia e a madame. Transformar a sociedade é outra história; mas, de fato, a atitude de Mazzaroppi é de não se seduzir com os detentores do poder. Dos 100 mil cruzeiros, só 20 vão para Mazzaroppi, pois ele tem que atender a toda uma gama de parasitas-burgueses que lhe retiram a maior parte da recompensa – seguradoras, publicitários, etc. Desses 20 mil, uma parte o matuto doa para os meninos engraxates (muitos próximos ao menino de Couro de Gato) que o ajudaram na epópeia com o gato. Desse modo, Mazzaroppi rechaça os valores burgueses – estruturados no trabalho e na acumulação – e milita pelo ócio e pelo desprendimento com o valor de troca. Faz, assim, não uma comédia conformada, mas uma comédia que coloca o riso como um escárnio dos valores burgueses, expressos no filme pelo mundo da madame e dos gangesters (como afirma o personagem).

Daí, por uma temática comum e caminho distintos, ambos os filmes acabam por criticar a realidade brasileira de diferentes formas. Essas formas possuem distinções que necessitam ser reconhecidas na sua diversidade, mas menos para atestar uma oposição estanque e mais para sugerir a sua complementaridade.
 
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