Por Hudson Nogueira
Ao analisar uma obra cinematográfica, um crítico deve saber lidar com algumas premissas. Como, por exemplo, procurar manter um certo distanciamento do objeto em análise - a fim de não cair em anacronismo, seja por admiração pelo autor ou aversão ao mesmo. Sobre esse preceito, não me considero na condição de crítico. Até por falta de experiência e produção acerca do tema, procuro evidenciar minhas impressões sobre filmes e cineastas de forma simples, mas sem perder o olhar crítico sobre determinado filme ou diretor.
Ao me deparar com o aguardado último trabalho do dinamarquês Lars von Trier, O Anticristo (The Antichrist, 2009), tentei, até onde pude, ingressar na proposta do diretor – uma incursão no gênero de horror. Procurei levar em conta que o filme foi realizado ainda sob longa depressão vivida por Trier, sendo o principal reflexo presente em O Anticristo. A narrativa constituída por Prólogo, três capítulos e Epílogo (método já utilizado em outros filmes do diretor) procura emanar a angústia de um casal traumatizado pela morte do filho. Ele e Ela (pois ambos sequer pronunciam seus nome na trama), o casal formado por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, vivem numa linha tênue do extremo à depressão.
O sexo é o ponto de equilíbrio entre o casal. Já no primeiro plano, o do Prólogo, um ato sexual em preto e branco e câmera lenta contrasta com a cena da morte da criança, utilizando a mesma técnica (câmera na mão) e demostrando uma sincronia entre as distintas situações, dos extremos (a penetração explícita dele e o orgasmo dela) à sutileza, neste caso, a ingênua queda da criança pela janela. Aí começa o grande problema de O Anticristo: a pretensão. Um jogo de lucidez e depressão toma conta do filme sem mostrar efetivamente onde quer chegar, se é que a intenção de Trier era chegar a algum lugar.
Outra problemática é a abordagem fantástica e extrema que O Anticristo pretende atingir. Sustos previsíveis, como na cena onde Ele enxerga a raposa que ladra com voz satânica. Ou quando encontra o corvo no interior da árvore. Mutilações e histeria proporcionados através de loucura e sexo extremo, algo que David Cronenberg retratou minuciosamente em Crash – Estranhos Prazeres (1996). Referências do cinema fantástico como Cronenberg, Dario Argento e John Carpenter poderiam ser usadas por Lars von Trier para dar maior vivacidade ao horror que se omite na trama. É claro que não se deve cobrar do diretor um filme de horror à altura dos especialistas citados acima, mas sua abordagem sobre o gênero não fez jus à expectativa criada em torno de seu O Anticristo.
Ao fim e ao cabo, o filme traz consigo uma vaga proposta sobre o cinema de horror, caindo num emaranhado de conflitos psicológicos e atos viscerais, como quando Ela o masturba até que Ele, insconsciente, ejacule sangue. Ou a cena de automutilação, quando Ela corta seu clitóris. Enquanto Trier estiver em depressão, continuará refletindo em seus filmes ideias que estão bem abaixo do que ele já provou saber expor, como em Europa (1991).
Ao escrever um pequeno texto em primeira pessoa (algo que raramente faço) e aqui explicar minhas reservas com Lars von Trier, confesso que tentei ingressar no universo do diretor e nas suas intenções, calcado nas premissas que citei no início do texto, mas não foi desta vez que obtive êxito. Até porque, é bom salientar algo que o próprio diretor sentenciou após ser indagado sobre sua estética cinematográfica e personalidade polêmica: “não me levem à sério, eu apenas faço filmes sem a preocupação do que eles irão representar”.